Saúde animal: guia básico de proteínas, no organismo equino
As proteínas e seus aminoácidos desempenham papéis importantes no organismo dos cavalos, desde o desenvolvimento e funcionamento muscular até a neurotransmissão e a síntese hormonal.
Do desenvolvimento muscular à qualidade da pelagem e dos cascos, a proteína exerce papéis fundamentais para o bom funcionamento do organismo equino. No entanto, entender as proteínas e seus componentes pode ser desafiador, especialmente porque diferentes categorias de cavalos necessitam de quantidades distintas para se manterem saudáveis, crescerem adequadamente, se reproduzirem ou alcançarem alto desempenho.
A boa notícia é que, embora o tema pareça complexo, não precisa ser. A revista The Horse publicou, em seu website, reportagem assinada por Erica Larson (jornalista com especialização externa em ciência equina pela Michigan State University), que serve como guia básico relacionado às proteínas, no organismo equino.
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O que são proteínas e por que são tão importantes?
“Proteínas são cadeias de aminoácidos”, explica Kristine Urschel, PhD, professora associada de ciência equina no Departamento de Ciências Animais e de Alimentos da Universidade de Kentucky, em Lexington.
Vinte e um aminoácidos, em diversas combinações, formam as diferentes proteínas utilizadas pelo organismo. Os cavalos conseguem produzir alguns desses aminoácidos — chamados de não essenciais — mas precisam obter os demais, os chamados essenciais, por meio da alimentação. Entre os essenciais estão a fenilalanina, histidina, isoleucina, leucina, metionina, triptofano, valina e lisina.
“Com exceção da água, a proteína é o nutriente mais abundante em todas as partes do corpo do cavalo”, afirma Carol Layton, BSc, MEd, nutricionista equina da Balanced Equine, em Cobark, Nova Gales do Sul, Austrália. “Trata-se de um componente chave dos cascos (representando mais de 90% da parede do casco), assim como do tecido muscular e dos pelos.”
As proteínas também contribuem para o bom funcionamento de vários sistemas corporais, exercendo papéis estruturais, metabólicos e reguladores. “Os principais componentes musculares responsáveis pela contração, actina e miosina, são proteínas”, diz Urschel. “As enzimas que catalisam todas as reações do organismo também são proteínas, assim como muitos neurotransmissores.”
Além disso, os próprios aminoácidos têm outras funções, como servir de fonte de energia para as células e auxiliar na síntese de determinados hormônios e neurotransmissores.
De onde vêm as proteínas na dieta do cavalo?
Embora o organismo equino possa sintetizar aminoácidos não essenciais, os essenciais devem ser fornecidos pela alimentação.
“Tais proteínas estão presentes na grama, no feno, na aveia, no milho, no farelo de soja, entre outros, ou às vezes como aminoácidos livres adicionados à ração comercial”, explica Urschel. “Os aminoácidos mais frequentemente incluídos diretamente nos concentrados são a lisina, a metionina e a treonina.”
Ela acrescenta que determinados aminoácidos podem ser adicionados com finalidades específicas. “Por exemplo, os aminoácidos de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina) aparecem em suplementos voltados para o suporte muscular, pois demonstraram ativar as vias de sinalização responsáveis pela síntese proteica. O triptofano é incluído em alguns produtos com efeito calmante por ser precursor da serotonina, embora haja pouca ou nenhuma evidência de que ele tenha esse efeito em cavalos.”
No entanto, nem todos os alimentos e suplementos proteicos têm a mesma qualidade.
“Os melhores alimentos ou suplementos proteicos são aqueles que oferecem quantidades adequadas de aminoácidos essenciais”, afirma Layton. “Alfafa, tremoço, proteína do soro do leite e ervilhas partidas são exemplos de fontes proteicas de boa qualidade. Existem diversos suplementos no mercado, mas é fundamental verificar os níveis dos aminoácidos essenciais.”
E é importante considerar também a quantidade fornecida, não apenas o teor proteico do produto. “Costuma-se focar demais na porcentagem de proteína da ração”, diz Layton, “mas esse número isoladamente não conta toda a história. O que realmente importa é a quantidade de proteína efetivamente ingerida.”
Ela exemplifica: uma ração com 18% de proteína pode fornecer menos proteína total que uma com 12%, dependendo da quantidade consumida. Um quilo de ração com 12% oferece 120g de proteína, enquanto meio quilo de uma ração com 18% fornece apenas 90g.
De quanta proteína um cavalo precisa?
Assim como outros aspectos dos cuidados com cavalos, a resposta é: depende.
“Quanto maior a carga de trabalho, maior será a demanda nutricional, inclusive de proteína”, afirma Layton.
A maioria dos nutricionistas e veterinários segue as diretrizes do National Research Council (NRC) sobre as necessidades nutricionais dos equinos. Essas diretrizes, baseadas em pesquisas científicas, indicam os níveis recomendados de diversos nutrientes para diferentes categorias de cavalos — inclusive a proteína bruta (PB), expressa em gramas e como porcentagem da dieta na matéria seca.
Embora o que realmente importe seja o fornecimento adequado dos aminoácidos essenciais, ainda há poucos dados para determinar os níveis ideais de cada um deles, com exceção da lisina, que recebe atenção especial, especialmente em cavalos em crescimento, por ser o aminoácido mais limitante.
Segundo Urschel, a proteína bruta está relacionada à quantidade de nitrogênio presente nos alimentos, e Layton completa: “Como a proteína contém nitrogênio, a PB é um bom indicativo da sua concentração.”
Por exemplo, o NRC recomenda que um cavalo adulto de 500kg, em manutenção, consuma cerca de 650g de PB por dia — o que equivale a aproximadamente 8% da dieta.
Cavalos reprodutores, adultos em trabalho leve e jovens fora de treinamento exigem quantidades um pouco maiores. Mas três grupos apresentam demandas significativamente mais elevadas: potros em crescimento, éguas lactantes e cavalos em trabalho intenso.
- Potros em crescimento
“Potros em fase ativa de crescimento apresentam exigências muito elevadas de proteína devido à intensa multiplicação celular e à formação acelerada de tecidos corporais”, explica Layton.
Urschel acrescenta que, quanto mais jovens os animais, maior a taxa diária de crescimento — e, consequentemente, maior a necessidade proteica.
“Essa proteína é usada principalmente para sustentar o aumento do tamanho corporal (o músculo é composto por cerca de 20% de proteína, então, para crescer, é preciso uma boa quantidade de proteína)”, diz ela.
Recomendações gerais do NRC:
- Desmamados (aproximadamente de 4 a 11 meses): 14% a 15% de proteína bruta (PB).
- Ano e meio (12 a 23 meses): 11% a 13% de PB, dependendo se estão ou não em treinamento (maior exigência, se estiverem).
- Animais de 2 anos (até 36 meses): 10% a 12% de PB, também dependendo do nível de trabalho.
- Éguas de cria
Éguas lactantes, especialmente nos três primeiros meses após o parto, apresentam uma das maiores demandas proteicas entre os equinos.
“Para que os potros recebam a proteína necessária para sustentar seu crescimento acelerado, as éguas precisam fornecer essa proteína por meio do leite”, explica Urschel.
Durante a gestação, as exigências nutricionais também aumentam, ainda que de forma mais moderada.
“As necessidades de proteína só aumentam de maneira significativa no último trimestre”, comenta Urschel. “Nos dois primeiros, o acréscimo é pequeno. O salto ocorre no final da gestação, quando o crescimento do feto se intensifica.”
Recomendações gerais do NRC:
- Éguas em lactação: cerca de 13% de PB, diminuindo para algo em torno de 11% a partir do terceiro mês após o parto.
- Éguas prenhes: as exigências seguem semelhantes às de manutenção até o nono mês.
- A partir do nono ao décimo primeiro mês de gestação, sobem para 10% a 11% de PB, até o momento do parto.
- Cavalos em treinamento
“Nos cavalos em treinamento, as necessidades proteicas aumentam conforme a intensidade do trabalho, para favorecer a recuperação muscular e o desenvolvimento da musculatura”, explica Urschel. “Além disso, certa quantidade de proteína é eliminada pelo suor — portanto, quanto mais o animal sua, maior pode ser a exigência proteica.”
Ela observa ainda que potros em crescimento que também estão em treinamento (normalmente entre um ano e meio e três anos) terão demandas ainda maiores do que cavalos adultos atletas: “Eles precisam de proteína tanto para sustentar o crescimento quanto para suportar o nível de esforço físico.”
Recomendações do NRC:
- Cavalos em trabalho leve: 9,5% a 10% de PB.
- Cavalos em trabalho moderado: 10% a 11% de PB.
- Cavalos em trabalho intenso: 11% a 12% de PB.
- Cavalos de idade avançada
Embora as necessidades proteicas não aumentem com o envelhecimento, pode ser mais difícil garantir que animais mais velhos consumam e aproveitem adequadamente a proteína oferecida.
A mastigação permite ao cavalo triturar o alimento a um tamanho ideal, o que facilita a extração dos nutrientes — incluindo a proteína — durante a digestão. Como problemas dentários e de mastigação são frequentes em cavalos idosos, muitos deles não conseguem extrair o máximo valor dos alimentos.
“É essencial oferecer fontes alimentares mais fáceis de consumir”, diz Layton. “Se você oferece feno, cortá-lo em pedaços menores ou umedecer cubos e pellets pode ajudar bastante.”
Ela também recomenda umedecer a ração, o que melhora a digestibilidade para os cavalos mais velhos.
Proteína não é vilã
Ao avaliar quanto de proteína seu cavalo precisa, não se deixe influenciar por mitos — muitos deles já desmentidos pela ciência.
“A proteína ganhou uma má fama nas dietas equinas, com alegações de que deixaria os cavalos ‘quentes’ ou mesmo causaria problemas ortopédicos no desenvolvimento”, comenta Urschel. “Nenhuma dessas afirmações tem fundamento, e a proteína não deve ser encarada como uma ameaça na alimentação.”
Lembre-se: os aminoácidos são a chave
“Quando falamos em exigência proteica, geralmente nos referimos à proteína bruta”, explica Urschel. “Mas o que os cavalos realmente precisam é de quantidades suficientes de cada aminoácido essencial — e também de nitrogênio para a produção dos aminoácidos não essenciais.”
Como saber se o cavalo está recebendo proteína suficiente?
Como vimos, a proteína e os aminoácidos que a compõem são essenciais para a saúde dos cavalos. A deficiência pode levar à perda de peso e de massa muscular, piora na qualidade da pelagem e dos cascos, crescimento comprometido, baixo desempenho e recuperação lenta.
O primeiro passo é determinar quanto de proteína o cavalo está recebendo por meio do volumoso (feno ou pastagem), que representa a maior parte da dieta.
“Analisar o volumoso é a melhor maneira de saber os níveis de nutrientes, incluindo a proteína”, recomenda Layton.
A maioria dos fabricantes de rações e suplementos informa os valores nutricionais nas embalagens (se não houver, uma busca na internet ou contato direto com o fabricante pode ajudar). Com isso, é possível fazer cálculos simples e estimar o total de proteína oferecida.
Depois de calcular a quantidade total de proteína bruta presente na dieta, compare com as recomendações do NRC para a idade e o nível de atividade do cavalo. Um animal de 500kg em trabalho intenso, por exemplo, exigiria cerca de 1.000g de proteína por dia, segundo Layton. Se a ingestão estiver abaixo disso, pode ser necessário incluir mais proteína com suplemento, ração ou volumoso de maior qualidade.
Na maioria dos casos, no entanto, os cavalos atletas recebem mais proteína do que o NRC recomenda. Urschel explica que isso é comum: “Acontece principalmente porque buscamos atender às exigências energéticas, e isso acaba aumentando também o consumo de proteína.” E, do ponto de vista da saúde, não costuma ser um problema.
Mesmo assim, “não há necessidade de exagerar na proteína”, diz ela. “A proteína que o organismo não consegue usar para síntese ou outras funções acaba sendo degradada, resultando em amônia e ureia, que são eliminadas na urina. Como é um ingrediente caro, oferecer mais do que o necessário gera apenas uma urina cara (e pode acarretar riscos à saúde de cavalos e humanos em ambientes com alta concentração de amônia).”
Em caso de dúvida um veterinário ou nutricionista equino pode avaliar a dieta do seu cavalo e confirmar se os níveis de proteína estão adequados à sua fase de vida e nível de atividade.
Muitos proprietários acabam fornecendo proteína em excesso para cavalos em manutenção ou em trabalho leve. E mesmo os animais com maiores exigências proteicas — que geralmente também precisam de mais energia (calorias) — costumam ter suas necessidades atendidas com rações comerciais comuns. Uma exceção ocorre quando parte significativa da energia vem de óleos (que não contêm proteína). Se você cuida de cavalos com alta exigência proteica, concentre-se em garantir o fornecimento adequado dos aminoácidos essenciais.
Conclusão
As proteínas e os aminoácidos que as compõem têm papéis fundamentais no organismo dos cavalos — da formação e função muscular à síntese hormonal e à transmissão nervosa. Por isso, assegurar fontes de proteína de qualidade na dieta é essencial para manter a saúde e o bem-estar dos equinos.