A aposta eleitoreira contra o Jockey SP
O que está por trás da Lei municipal que ameaça a centenária instituição do Turfe na maior Capital da América Latina.
Na reta final do mandato de governantes da cidade de São Paulo, eis que a Câmara Municipal decidiu aprovar o Projeto de Lei 691/22 que, em linhas gerais, pretende acabar com as corridas de cavalo na Capital paulista e, por consequência, com o centenário Jockey Clube de São Paulo. Sob argumentos pífios, discursos falaciosos e contraditórios, um dia depois a medida já teve a sanção do prefeito Ricardo Nunes para colocar abaixo uma história que envolve paixão, profissionalismo e uma atividade econômica que gera milhares de empregos. Mas o que está por trás dessa “aposta” às vésperas de uma eleição?
Não é preciso ir muito longe para constatar algumas evidências dos propósitos da aprovação repentina. Uma delas é a orquestração que vem sendo costurada desde abril deste ano, quando foram aprovadas, também pela Câmara, mudanças do Zoneamento na região do Jockey. Isso mesmo, os mesmos legisladores em seu último ano de mandato aprovaram novas diretrizes, permitindo que sejam construídos nas redondezas edifícios antes proibidos. Ou seja, onde se permitia apenas casas térreas, agora permite prédios. Por certo isso já repercutiu na especulação imobiliária da região, que seria, teoricamente, ainda mais beneficiada com a promessa eleitoral de um parque público no espaço do Jockey. Seria bom saber quem foram as pessoas e empreiteiras que já adquiriram imóveis na região, e quais os parlamentares ligados a elas. Mas fica para outra hora!
Os mesmos parlamentares que se dizem defender o bem-estar animal, estão fomentando a construção de mais edifícios em uma cidade já entupida de arranha-céus, que sofre com problemas visíveis de infraestrutura
Além da questão especulativa, de largada temos aí também a primeira contradição. Os mesmos parlamentares que se dizem defender o bem-estar animal (e falaremos mais adiante sobre esse tema), estão fomentando a construção de mais edifícios em uma cidade já entupida de arranha-céus, que sofre com problemas visíveis de infraestrutura. Qualidade de vida da população, pelo visto, não deve ser uma prioridade para os vereadores de uma cidade caótica como São Paulo.
Vale lembrar, também, que parte da estrutura do Jockey SP é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat) e qualquer obra a ser realizada no local tem limitações. Embora pouca gente se dê conta disso, o Jockey é um espaço aberto ao público, que além de corridas de cavalos tem investido em atividades de lazer à população.
Se o objetivo fosse de fato construir um parque no local, projeto semelhante já foi elaborado na gestão do ex-prefeito João Dória e acabou esquecido entre disputas políticas. A proposta apresentada em outubro de 2017 previa (Veja AQUI), entre outros pontos, derrubar os muros e construir um grande parque, que estaria agregado às atividades turfistas, com um shopping subterrâneo na área central da pista, chamada “Peão do Prado”. A proposta, amplamente discutida à época, foi simplesmente esquecida.
Não é de hoje que a Prefeitura de São Paulo tenta se apoderar do patrimônio de 650 mil metros quadrados do Jockey SP, em uma das áreas mais valiosa da Capital, por conta da suposta dívida de milhões de IPTU. A discussão está na Justiça há anos porque é controversa. Um dos pontos é a falta de equiparação com outros clubes de São Paulo, que são isentos do imposto municipal.
Em linhas gerais, a nova aposta da Câmara quer seguir por um outro caminho, como ficou claro nas próprias palavras de seu presidente Milton Leite. “No entendimento jurídico da procuradora-geral do município (Marina Magro), a companhia que cedeu a área para o Jockey cedeu apenas para a prática do turfe. E se nós, ontem, cessamos o objeto de corridas de cavalo, cessou-se o turfe”, argumentou. “Aquela propriedade sempre foi da Prefeitura, quem estava usando era o Jockey. Na ausência da prática do turfe, que é a corrida de cavalo, a propriedade vem de imediato para a Prefeitura. Ainda sobra para os administradores uma dívida de R$ 600 milhões”.
Do ponto de vista técnico e jurídico, a Lei aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito carrega inúmeros deslizes
O presidente da Câmara deve estar se baseando no “Direito Achado na Rua”. Do ponto de vista técnico e jurídico, a Lei aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito carrega inúmeros deslizes. A tentativa de usar uma lei municipal para acabar com a atividade do Turfe, regulamentada por lei federal, não tem embasamento Constitucional. O assunto ganhou os holofotes da mídia, preocupou a comunidade do cavalo, mas é natimorto pela essência.
Outro equívoco é querer considerar corridas de cavalo como “jogo de azar”, como se fosse uma loteria ou jogo de dados. O Turfe é uma atividade esportiva, repito, regulamentada por Lei Federal, e não uma contravenção. Esse é um dos pontos abordados pelo professor doutor Roberto Arruda de Souza Lima, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo. Em artigo pessoal sobre o assunto, ele faz diversos apontamentos sobre as incongruências técnicas apresentadas pelos vereadores e, com muita propriedade, qualifica a medida como “irresponsável do ponto de vista social e econômico”. (Leia AQUI)
Vou além! As ameaças do presidente da Câmara, vereador Milton Leite, de invadir o Jockey de São Paulo neste fim de semana com uma tropa de policiais para prender cavalos têm conotações terroristas, totalmente desconexas com a atividade de um parlamentar. Veja só o que disse o nada nobre edil: “Proprietários de cavalo, tirem seus cavalos de lá, porque serão presos. É bom que o Jockey e outros comecem a preparar outro destino, outro endereço, porque aquilo é da Prefeitura”, ameaçou.
As ameaças do presidente da Câmara, vereador Milton Leite, de invadir o Jockey de São Paulo neste fim de semana com uma tropa de policiais para prender cavalos têm conotações terroristas, totalmente desconexas com a atividade de um parlamentar
A nova Lei prevê que as mudanças ocorram dentro de 180 dias, mas o presidente da Câmara pretende desmontar o Jockey já no dia seguinte. Sua pressa faz sentido! Sabe que dificilmente a Lei 691/22 prosperará, tendo em vista tantas incongruências técnicas e jurídicas, mas quer garantir o seu lugar no partidor da corrida eleitoral que, por lei, nem deveria ter começado. Em busca do seu sétimo mandato (pasmem!), conhece como ninguém os truques do jogo político.
Está evidente que a Lei 691/22 é uma cartada de fim de mandato e a direção do Jockey SP, percebendo essa artimanha, não quer dar cancha para uma discussão. “Será definida pela Justiça!, informou por meio de nota oficial. Está correta! O turfe paulista não vive um de seus melhores momentos e tem problemas demais para resolver, melhor não gastar energia para servir de palanque eleitoreiro.
Por fim, temos a questão do bem-estar animal, base da argumentação de Xexéu Tripoli, autor do Projeto de Lei que quer pôr fim à mais antiga modalidade esportiva equestre na Capital paulista. Sim, temos muito a discutir sobre esse tema, mas definitivamente o Jockey SP não é arena para isso. Muito pelo contrário. É um modelo de avanços conquistados nos últimos anos, com respaldo técnico e profissional. “O Jockey SP foi a primeira entidade a adotar ações em bem-estar animal, o que começou em 2020. Essas ações incluíram não só a avaliação dos animais, como modificações do Código de Corridas, lei ditada pelo Ministério da Agricultura e que rege a entidade. Eu participei do processo e teremos como mostrar”, afirmou a médica veterinária Laura Pinseta, mestre em Bem-Estar animal pela USP, em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“O Jockey SP foi a primeira entidade a adotar ações em bem-estar animal, o que começou em 2020″ – Laura Pinseta, médica veterinária, mestre em Bem-Estar Animal pela USP
Vale lembrar, também, que o departamento antidoping do Jockey SP é uma referência da América Latina já há muitos anos. Por certo, o vereador Xexéu, o Reginaldo, do clã de políticos da família Tripoli, deveria se informar melhor antes de comemorar o “fim do turfe” em São Paulo como “uma conquista histórica”. Acabando com o Jockey SP, como pretende, estará prestando um desserviço à essência da busca do bem-estar animal, com o fim de um serviço que atende diversas modalidades em vários estados brasileiros. Se a bandeira da sua família é realmente o Bem-estar animal, deveria pensar com o corpo ereto, e não com os quatro membros no chão!
Por Marcelo Mastrobuono
(Publicação extraída do website da Revista Horse)
Link para a publicação original: https://revistahorse.com.br/a-aposta-eleitoreira-contra-o-jockey-sp/