27 mar 2019 | 21:29:25

ABCPCC entrevista: Diogo Campos de Araújo


Diogo Campos de Araújo.

Imagem: Sylvio Rondinelli/Divulgação JCB

O fator renovação, de longa data, vem sendo apontado como uma das mais desafiadoras tarefas do turfe brasileiro. Inobstante a dificuldade de se conquistar um novo público para as corridas, o comum insucesso, em se perpetuar, de pais, para filhos e netos, a batuta de um haras ou cocheira, são condições que provocam comemoração, quando o oposto ocorre. Filho do turfista de 4 costados – e membro atual do Conselho Deliberativo da ABCPCC – Sinval Domingues de Araújo, Diogo Campos de Araújo hoje leva as aspirações do pai a raias e locais até outrora intocados, pelos rumos da família, em meio à indústria do turfe.

Desempenhando funções de – jovem – criador e proprietário e vivendo o seu mais bem sucedido momento no esporte, Diogo concedeu entrevista à reportagem do website da ABCPCC/Stud Book Brasileiro.

Ainda que um bocado clichê, pergunta necessária a uma entrevista como esta: como foi o seu início no turfe?

DC - Para eu responder, é preciso retornar ao ano de 1978, quando um tio meu, já falecido, chamado João Batista, e o José Lírio Aguiar convidaram meu pai, Sinval, para terem um cavalo, em sociedade. Dali em diante, meu pai aumentou, mais e mais, seu interesse e participação no turfe. Nisso, praticamente desde que eu nasci, passei a ter contato com os cavalos e as corridas. Brinco que já nasci apaixonado por tudo isso. O problema é que, conforme eu fui crescendo, meu pai tinha medo que eu me envolvesse com apostas, com jogo, e tentava fazer com que eu não fosse às corridas – do Jockey Club de Brasília, que é de onde somos. Mesmo assim, eu dava um jeito. Ia escondido, dava minhas escapulidas. Até o dia que meu pai viu que não teria jeito. Com a autorização dele, virou amor para toda a vida.

E quais foram os primeiros animais adquiridos pela família Campos?

Sinval, com a esposa, Gina, e os filhos Luciano e Diogo (no colo da mãe): o começo do turfe, no Hipódromo de Lagoinha.

Imagem: Arquivo pessoal

DC - Meu pai, àquela época, era um pequeno empresário, começando na vida, com muito pé no chão. Assim, os primeiros cavalos eram animais baratos, comprados nos grandes hipódromos e levados para Brasília. Conforme eles ganhavam o que tinha para se ganhar, iam e voltavam – geralmente de e para a Gávea. Durante muito tempo foi assim. Cavalos para brincarmos.

Seu pai sempre possuiu um perfil muito mais voltado à propriedade do que à criação do cavalo. Você, por outro lado, hoje envereda por uma vertente bastante voltada à criação. Como houve o desenvolvimento dessas diferentes aptidões, durante a história, de sua família, no turfe?

DC - Para falar a verdade, meu pai sempre teve vontade de criar. Tanto que chegamos a comprar um haras, em Brasília. Ocorre que aqui, utilizávamos garanhão e éguas próprias, que haviam cumprido campanha para nós mesmos. Algo bastante amador e com baixa qualidade. Basicamente a coisa funcionava mais na base da emoção do que da razão. Depois de duas ou três gerações, em que os resultados não surgiram, sentamos, eu e meu pai, para conversar a respeito. Expliquei minha vontade de investir mais na criação, mas que para isso precisaríamos nos deslocar para outro local e rever nossos conceitos sobre reprodutores, éguas etc. Foi quando comecei a criar no Paraná, com os Doutores Marlon Siqueira e Alessandro Mercadante. O Doutor Alessandro, aliás, é o responsável, até hoje, pela criação dos nossos animais. Além disso, confesso que procurei conversar o máximo possível, com pessoas mais experientes e já bem sucedidas na atividade. Porque não adianta você achar que sabe tudo e meter os pés pelas mãos. Fui sendo aconselhado em diversos sentidos, inclusive sobre a importância de estudar um cruzamento, para que ele fosse bem balanceado etc. E também procurei investir o máximo, dentro do nosso orçamento, é claro, em material humano. Bons domadores, treinadores, cavalariços. Profissionais capazes de fazer os investimentos no haras refletirem em retorno nas pistas.

Até o momento em que vocês começaram a vender seus próprios produtos...

DC - Exato. Numa determinada altura, a ideia da criação com maior investimento, além de não parecer tão absurda, passou a fazer sentido para as nossas – minhas e de meu pai – maiores vontades no turfe. Primeiramente porque, considerando os valores pelos quais os principais lotes de um leilão de potros acabam sendo negociados, percebemos que poderíamos, com quantias menores, tentar, com base em genética e criação, “tirar” animais com qualidade semelhante aos “cabeceiras” de leilão. Depois, porque concluímos que se vendêssemos alguns de nossos animais em leilões, poderíamos ter rentabilidade em relação àquilo que investíamos, como criadores. A partir disso tivemos a ideia de começar a vender os produtos em parelhas. Um, para o mercado. E o que sobrasse, para saciar nosso desejo de correr com a farda da casa.

O Haras Do Morro tanto possui um garanhão nacional – Out of Control – quanto participa da propriedade de um garanhão estrangeiro – Ketuckian. Além deles, é cotista de outros reprodutores, bem como se utiliza de garanhões pertencentes a diferentes criadores. O que levou você a adquirir esses animais? E como você gerencia a utilização de diferentes garanhões, com suas éguas?

Múltiplo ganhador e produtor clássico, o nacional Out of Control tem seu condomínio liderado pelo Haras do Morro.

Imagem: Luiz Melão/Haras do Morro

DC - Na realidade possuímos 70% do Out of Control e 25% do Kentuckian. Dois cavalos bem diferentes entre si. O Out of Control produz animais que costumam ser mais tardios e com aptidão para médias e longas distâncias. Já o Kentuckian eu imagino que será pai de animais precoces, que mostrarão serviço cedo e em distâncias curtas. Como cotista, utilizamos Salto, Courtier e Wired Bryan. E para a utilização de cada um deles, procuramos estudar o máximo possível. Existem diferentes tipos de éguas, em nosso plantel. De velocistas a fundistas, com linhagens e físicos também distintos. Para a análise de genética, além dos estudos pessoais conto com a ajuda do Ivan Gasparoto, com quem aprendi muito, nesse sentido. Já no aspecto físico, para procurar corrigir e compensar necessidades das éguas, quem opina é o Dr. Alessandro Mercadante. Até porque de nada adianta um cruzamento ser bom no papel, mas não funcionar na vida real, em razão das características do garanhão e da égua que você pretende cruzar. Além disso, é inviável e não muito aconselhável utilizar um único garanhão com todo o seu plantel.

No ano passado você viveu, certamente, seu melhor ano no turfe. Difícil, porém, comparar quaisquer das conquistas obtidas à vitória do Quarteto de Cordas no GP Brasil. Você poderia nos falar um pouco sobre esse animal e a sua história?

DC - Bom, a história dele começou quando eu o adquiri. Estava à procura de um filho de Rock of Gibraltar, no leilão do Beverly Hills Stud. Os potros, porém, estavam pegando preços altos e fora daquilo que eu tinha me proposto a pagar. Até que consegui arrematar o Quarteto de Cordas, então de sobreano. Pouco tempo depois, resolvi colocar meus 3 melhores produtos no Leilão de Potros da ABCPCC. Um deles era o Quarteto de Cordas. Os outros dois o Asddrubal e a Isola Di Fiori. Ele chegou a ser selecionado pelo Tom Thornbury para o primeiro dia do leilão. E aí começa a parte do folclore. Por melhor que fosse o físico e a filiação dele, todo mundo sabe que o Quarteto de Cordas tinha uma cabeça... Não muito agradável. Creio que muito em razão disso, ele não atingiu o preço de reserva. Diante disso, levei ele ao leilão do Haras Fronteira, no qual o Quarteto de Cordas, ainda que “empurrado”, alcançou o preço mínimo que havíamos estipulado. Comprou o Sr. Demétrio, do Stud Sol de Marte, que levou o cavalo para o Luis Esteves. Na época, eu não tinha muita proximidade com o Esteves. Mas mesmo assim sempre ligava para ele, para perguntar do cavalo. E desde cedo o Esteves me disse que estava gostando do Quarteto de Cordas. Até que cavalo estreou e depois chegou a vencer prova especial e a Copa Leilões. Em dezembro de 2017, estávamos eu e meu pai no hotel, em Buenos Aires, na véspera do Pellegrini. Foi quando o telefone tocou. Era o Esteves, contando que o Sr. Demétrio queria vender o cavalo e perguntando se eu não queria ficar com ele. Respondi na hora que sim. Negócio fechado. Na primeira corrida para a nossa farda, ele ganhou o GP José Buarque de Macedo. Depois, numa das suas melhores atuações, ele fez segundo para o Flight Time no GP Estado do Rio de Janeiro, na raia leve, que nunca foi a sua predileta. Depois desse páreo, ele ficou muito próximo de ser exportado. Ocorre que a negociação foi se estendendo, se estendendo, sem conclusão. Até que ele correu a 2ª prova da tríplice coroa e chegou fora do marcador. Nisso, o potencial comprador, que ainda não havia transferido os valores, acabou desistindo do negócio. No Derby, ele também foi mal. Então, eu e Esteves conversamos para retornar com o cavalo para a milha. Acontece que meu pai foi contra. Ele queria manter o cavalo na distância para matar a vontade dele de correr o GP Brasil. Aí o Esteves disse, “se é a vontade do proprietário, vamos correr, mas eu vou mudar completamente o treinamento desse cavalo, porque ele tem que correr mais perto”. O Esteves fez o que prometeu e num dia inspirado, do jóquei e do Quarteto de Cordas, ele venceu o GP Brasil. Realizamos, assim, esse sonho, que, acredito eu, também é o sonho de todo turfista.

Sinval e Diogo regressam com Quarteto de Cordas para a repesagem: momento mágico vivido, por pai e filho, no GP Brasil de 2018.

Imagem: Sylvio Rondinelli/Divulgação JCB

Ainda sobre o Quarteto de Cordas: ele foi exportado e chegou a atuar na Breeders’ Cup Turf, do ano passado. Você acredita que a maneira como realizaram a sua adaptação ao novo país, bem como o curto intervalo de tempo existente entre a exportação e sua primeira corrida, nos Estados Unidos, atrapalharam seu desempenho?

DC - Depois que você vende o cavalo, perde o direito de dar opinião e interferir no que fazem com ele. Mas eu, particularmente, não teria feito desse jeito. Nunca tive cavalos nos Estados Unidos, mas conversamos, trocamos ideias com pessoas que têm e já tiveram. E quase todos falam que o animal precisa de um período de adaptação de, no mínimo, 6 meses, ou algo próximo disso. O Quarteto de Cordas enfrentou uma viagem, seguida da quarentena, que todos nós sabemos, é muito rigorosa, e em poucas semanas estava alinhando ao lado da Enable na Breeders’ Cup Turf, um páreo duríssimo. Logo depois voltaram a lhe inscrever e ele voltou a fracassar. Torço para que agora ele esteja descansando e conseguindo, de uma vez por todas, “se aclimatar”.

Quando o Garbo Talks foi adquirido no leilão de potros do Haras Santa Maria de Araras, você já possuía um irmão materno dele (Final Road), que, por sua vez, nunca foi um animal destacado. O que te levou, ainda assim, a arrematar o Garbo Talks?

DC - Primeiramente o físico dele. Desde que eu examinei os potros do Araras, que iriam a leilão, o Garbo Talks já se destacava pelo físico. Físico, aliás, bem diferente do Final Road, que era um cavalo mais “europeu”, fino, comprido. O Garbo Talks, de outro lado, mais forte, com musculatura bem definida. O linebred em Lyphard também me chamava atenção, uma filiação bem equilibrada. Achamos que valia a pena correr o risco, apesar do Final Road e ainda que os outros produtos da Road To Jamaica não tivessem rendido bem em pista.

Falando em Garbo Talks: após o contratempo, que lhe tirou da 2ª prova da tríplice coroa, quais são os planos para o animal?

DC - Ele felizmente está recuperado e em processo de negociação com o exterior. Acabamos de realizar o exame de piroplasmose e ele testou negativo. Assim, caso, por qualquer motivo, a venda não seja concluída, o plano é que nós mesmos o levemos, por conta, para os Estados Unidos.

Garbo Talks: exportação à vista.

Imagem: Sylvio Rondinelli/Divulgação JCB

Qual é o plantel atual do Haras Do Morro? Quais os critérios utilizados por você na composição desse plantel?

DC - Hoje nós contamos com 21 reprodutoras. Eu costumo obedecer à seguinte ordem de critério: pedigree, físico e campanha. Prefiro, sinceramente, ter uma “matunga” de excelente filiação, do que uma craque sem pedigree. Isso porque são recorrentes os exemplos de éguas que mostraram pouco ou quase nada em campanha e ainda assim se revelaram boas reprodutoras, da mesma forma como não é raro ver éguas que foram excelentes em campanha não conseguirem repetir o bom desempenho, na reprodução. E quanto ao físico, lá mesmo no haras contamos com matrizes de 410, 420 quilos que costumam produzir animais que chegam a atingir 480, 500 quilos, com ótimo padrão. Então tamanho não é algo que fará com que eu compre ou deixe de comprar uma égua.

Você representa, enquanto jovem criador e proprietário, a renovação de que tanto se fala, e de que tanto o turfe precisa. Nesse contexto e considerando que seu pai participa do Conselho da ABCPCC, faz parte dos seus planos participar da política do turfe brasileiro, seja na direção de um hipódromo, seja via alguma associação? Quais são suas impressões e perspectivas sobre o turfe brasileiro, no momento?

DC - Por eu morar em Brasília, assumir algum compromisso político ou diretivo, para participar diretamente da administração, de um clube ou associação, é algo que foge um pouco do meu alcance. Porém, havendo possibilidade de atuar como conselheiro, ou ocupando cargo semelhante que não exija dedicação diária, ou mais intensa, estou e estarei sempre à disposição. E quanto à situação do turfe no Brasil, eu enxergo a atividade com boas perspectivas. Nós vemos o Jockey Club do Paraná numa excelente fase, com a receita que será obtida a partir do shopping center. O Jockey Club Brasileiro, por sua vez, também é saudável financeiramente, pagando prêmios bastante razoáveis. Em ambos os caso, aliás, estamos falando de administrações que não são mais reféns de movimento geral de apostas. Claro que sempre precisaremos lutar pelo acréscimo das apostas, até porque essa é a principal fonte de receitas de um jockey club. Mas, na realidade brasileira, não pode ser a única. E tudo é uma reação em cadeia. Com mais receitas, eu posso oferecer prêmios melhores. Com prêmios melhores, eu consigo atrair novos turfistas. Disso surge uma demanda maior por potros e os haras voltam a enxergar na criação uma atividade com possibilidade real de lucros. E com mais animais, há mais páreos e consequentemente um maior volume de apostas. Pronto. Aí sim ganhamos fôlego para trabalhar no incremento do MGA.

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