Nota de falecimento: Hermínio Paulo Machado
O turfe gaúcho perde o seu maior treinador e eu um amigo de quase 50 anos.
Hermínio Paulo Machado nasceu há 76 anos em Vila Vasconcelos, então município de Tapes, e hoje Sentinela do Sul. Foi em São Borja, no haras de Serafim Dornelles Vargas, que iniciou a sua trajetória vitoriosa na criação do PSI e no turfe.
Conheci Hermínio como segundo gerente de Jary Motta em 1975. Jary era o treinador das potrancas argentinas compradas nos leilões de Palermo para formar o casco do Haras Capela de Santana. Em 1976 Hermínio foi contratado para ser o responsável pelo nosso haras.
Tenho histórias fantásticas desta época em que aprendi muito sobre os cavalos de corrida com o Hermínio. Acho a melhor delas um episódio em que Rolin Fan e Boina Rosa, até então invictas com seis vitórias, se enfrentariam. Estávamos no haras e tanto enchi o saco do meu pai que ele entregou a chave do fusca para o Hermínio (sem carteira de motorista e talvez estreante em uma estrada) e disse: leva. Eu com meus 11 anos. Foi uma viagem com emoção. Na altura de Canoas, em uma sinaleira, o Hermínio engatou uma marcha à ré e por pouco não provocou um grave acidente. Chegamos ao Cristal, e a Rolin Fan com Suzana Davis “up” massacrou a adversária. Retornamos ao Capela inteiros e felizes.
Depois do Capela o Hermínio foi o segundo do Odilo Machado, foi capataz do La Cibelles, voltou ao Jockey como segundo do Luiz Carlos Soares, e na metade dos anos 90 iniciou a sua carreira como treinador.
Em 98 voltei ao turfe (andei um período afastado) comprando o Guerreiro King e levei para o Hermínio, ganhamos juntos o GP Presidente da República e formei o Casablanca. Juntos empilhamos vitórias, clássicos e estatísticas de treinador e proprietários. Depois veio a segunda fase do Capela de Santana, agora na Sentinela do Sul que viu o Hermínio nascer. Foram mais vitórias, clássicos e estatísticas.
Lembro de uma frase do Roberto Campos (Stud Palura) que nunca esqueci. Na época ele comprava cavalos no Cristal e levava para a Gávea e Cidade Jardim: “Não dá para comprar cavalo treinado pelo Hermínio. Posso levar para qualquer treinador, em qualquer lugar do mundo, que eles nunca vão melhorar.”
O Hermínio deve ter chegado perto de 1.000 vitórias em um turfe com uma reunião semanal. Cerca de 500 do Casablanca. Mais de 150 clássicos com as nossas fardas, superando a marca do Breno Caldas (122) que nos parecia quase insuperável em 2005 quando traçamos juntos este objetivo.
Lembro que em duas temporadas clássicas ganhamos todos os clássicos de velocidade com Vício Sagrado, Gain’n Bright, Negro Lindo, Cacique Crocket, Starburst, New Wave e Nosso Dasher (este uma aventura como criador junto com o Sayão Lobato e o Christian Moura que deu certo). O Bento do Goicochea, o Protetora do Mucho Dinero, as tríplices coroas do Nadador Lô e do Nargis, o Diana da Oahu, os Presidentes da República com o Guerreiro King, Conde Vic, Tokay e Mucho Fon, os vinte e um recordes batidos e o Derby do Rocky Fon.
O Derby do Rocky Fon... Era um tabu. Nunca havíamos ganho. Em meio a pandemia nos focamos neste páreo. A vitória esmagadora por mais de 20 corpos. No final do ano, passados dois meses do páreo, a notícia de um medicamento proibido. Algo que não combina com essa trajetória vitoriosa. Não encontramos explicação. Veio a desclassificação, a suspensão, a decepção e o agravamento da doença. O nosso “mago” ainda teve forças para acompanhar os quatro triunfos do Sonhador Vi em quatro atuações que o colocam como líder da geração. Cavalo que mistura no nome o que nos faz persistir no turfe e na criação: nossos sonhos. Cavalo que tem o nome do meu filho Vicente que junto com o Hermínio não me deixaram parar quando as decepções me levavam a jogar a toalha.
Tenho que agora acordar o Vicente e dizer que temos que nos despedir do Hermínio. Não vai ser fácil. Vai ser difícil não ter o Hermínio daqui para frente. O maior profissional do turfe das últimas décadas no Rio Grande do Sul. Meu muito obrigado “bixo”.
Flávio Obino Filho