21 ago 2019 | 00:28:59

ABCPCC entrevista: Carlos Alberto Machline (parte 1)


Das provas de cancha reta aos páreos de fundo. Do Oiapoque ao Chuí. Fato é que o Haras Rosa do Sul tornou-se sinônimo de versatilidade e vitórias, quando dos mais pujantes e concorridos tempos do turfe brasileiro. Por trás de todo o sucesso, o arrojo de Matias Machline, seu fundador, proprietário e turfista emblemático. Não à toa, desde 1994 Matias dá nome à prova central do festival da Copa dos Criadores – outrora realizada pela ANCP e atualmente organizada pela ABCPCC.

Tendo acompanhado de perto as façanhas do pai e de seu Haras Rosa do Sul, Carlos Alberto Machline testemunhou, desde os feitos mais famosos da farda, até acontecimentos de bastidores tão fascinantes quanto. Em entrevista concedida à reportagem da ABCPCC, Beto, como é chamado por amigos e familiares, discorreu sobre diversos fatos relacionados ao Haras Rosa do Sul. A cada resposta e memória revisitadas, fragmentos de uma história que em muito se confunde com a existência de alguns dos melhores cavalos já criados, no Brasil, em todos os tempos.

Abaixo, a primeira, das duas partes, da entrevista.

Ao se analisar os resultados tão abrangentes e impactantes do Haras Rosa do Sul, é difícil imaginar o começo disso tudo. Quais foram os primeiros passos dados na direção de tamanho sucesso?

Matias e Carlos Alberto Machline.

Imagem: Porfiro Menezes

Meu pai nasceu, em 1933, na cidade de Bagé. No mesmo local, portanto, no qual, anos depois, alguns dos maiores criadores do cavalo de corrida, do Brasil, desenvolveriam suas atividades. Ele conheceu o turfe por intermédio de meu tio e teve seu primeiro contato mais estreito com o esporte no Hipódromo do Cristal, pois morava em Porto Alegre. Lá, inclusive, teve sua primeira farda, nos anos 60: o Stud São Sepé. Pouco depois, fundou o Stud 1º de Janeiro. E em 1973, já morando em São Paulo, ele deu seu mais importante passo, ao adquirir um haras Itatiba, no interior paulista. Minha avó, chamada Rosa, também é do Rio Grande do Sul. Homenageando-a, fundou o Haras Rosa do Sul.  

E as demais seções do haras? Quando surgiram?

Pouquíssimo tempo após fundar o Haras Rosa do Sul, em Itatiba, ele adquiriu, “de porteiras fechadas”, o Haras Indecis, de Felix Alzaga Unzué, em Olavarria, na Argentina. Lá, selecionou cerca de 40 éguas, que passaram a ser de sua propriedade, e as trouxe para o Brasil. Ele tinha um desejo muito grande de combinar a genética argentina com a norte-americana, o que explica, em boa parte, por exemplo, a aquisição de Tumble Lark. Depois veio a seção do Paraná, localizada em Piraquara. Esse haras passou a ser utilizado para realizar a recria dos animais nascidos em Itatiba, numa relação de sinergia que rendeu resultados muito bons para o Rosa do Sul.

Apesar da vinda das éguas para o Brasil, na Argentina o sucesso do haras também foi muito grande...

Rafaga Sureña alcança Oriental Flower nos últimos lances do GP São Paulo de 1996.

Imagem: Porfiro Menezes

Exato. Jabalina Brown e Laura Ly, ambas criadas lá, venceram a Copa de Plata e depois, nos Estados Unidos, tornaram-se ganhadoras clássicas. Leger Cat venceu o Gran Criterium e também exportado para a América do Norte revelou-se múltiplo ganhador clássico nos hipódromos norte-americanos. Rafaga Sureña e Unkind, criados na Argentina pelo Haras Rosa Del Sur, vieram para o Brasil e venceram os Grandes Prêmios São Paulo e Presidente da República, respectivamente.

Você mencionou a Rafaga Sureña, que protagonizou um dos mais emocionantes desfechos do GP São Paulo – sendo o primeiro do Haras Rosa do Sul após o falecimento de seu pai. O que aquela vitória representou para você?

Ela era uma égua tão boa, que nós chegamos a pensar que ela era, na verdade, velocista. Mas fato é que ela corria em qualquer distância. Foi ganhadora clássica dos 1.000 aos 2.400 metros. Fui para a Argentina após o falecimento do meu pai e trouxe alguns animais de lá – uns para aproveitar em treinamento, outros para vender num leilão. Nesse lote importado estava a Rafaga Sureña, que havia abandonado o perdedor diretamente na Polla de Potrancas. Aqui no Brasil, após ser curada de alguns problemas lombares, ela continuou impressionando. A distância ia aumentando e ela não parava de vencer. Até que, na preparatória do GP São Paulo, ela tirou um quarto, um tanto quanto apagado, no GP Oswaldo Aranha – à época G1, vencido pelo Quid Obscurum. No páreo, ela colocou um filete de sangue e diante disso cogitamos corrê-la no GP OSAF. Quem nos encorajou, porém, a disputar o próprio GP São Paulo foi o Luiz Duarte. Ele disse que, se corrêssemos, não iríamos perder. E no final das contas ela venceu uma corrida belíssima, numa chegada emocionante, na qual derrotou a Oriental Flower. Algumas semanas antes do páreo, o Selmar Lobo me confidenciou que um dos sonhos dele era vencer o São Paulo com uma fêmea. E eu fiquei muito satisfeito em poder contribuir para a realização do sonho de um profissional de tamanha expressão.

O Haras Rosa do Sul foi um dos mais versáteis e atuantes de todos os nossos haras. Seus cavalos corriam desde pencas até provas de fundo, nos mais diferentes hipódromos do Brasil. Nesse contexto, qual foi, na sua opinião, a vitória mais importante, dentre todas? E qual foi a que mais lhe marcou, pessoalmente?

Albênzio Barroso: o "Feiticeiro" de Cidade Jardim emprestou seu talento ao Haras Rosa do Sul.

Imagem: Porfiro Menezes

Houve várias provas que me marcaram, de modo especial. O GP Brasil vencido pelo Big Lark, a vitória do Dark Brown no primeiro Latinoamericano, em 1981... Mas se eu precisasse destacar apenas uma, recordaria da vitória do Meu Gaúcho, no GP Cruzeiro do Sul, o Derby da Gávea. O jóquei dele era o Albênzio Barroso. O treinador, o Abádio Cabreira. Um dia antes da prova, indo para o Rio de Janeiro, o Barroso capotou seu carro, na Dutra. Nisso, quando eu cheguei no Rio de Janeiro, o Cabreira me chamou, contou o que havia acontecido e pediu para que eu escolhesse um jóquei. E considerando que havia 18 animais no páreo, logicamente os melhores jóqueis possuíam montaria. Logo, as opções eram escassas e como nós levávamos muita fé no cavalo, tentamos convencer a comissão de corridas a esperar, o máximo possível, na esperança de que o Barroso chegasse a tempo na Gávea. O páreo era às 17 horas. Disseram-me que o Barroso tinha até as 15h30 para chegar. Às 15h30 ele ainda não havia chegado. Pedi mais uma tolerância e eles concederam. Por volta das 15h45 apareceu o Barroso. Todo enfaixado, cortado. Manco. Quando eu avistei ele, tive certeza de que não passaria no exame médico. Acontece que, não sei como, ele conseguiu autorização para montar. Não só conseguiu, como deu uma direção primorosa ao cavalo. Venceu de ponta a ponta, trocando o chicote várias vezes de mão e derrotando o Ego Trip, do Haras Santa Ana do Rio Grande. Um páreo inesquecível.

ABCPCC: E dentre os animais? Qual estaria no topo da lista - sua e de seu pai?

Emerald Hill e Dark Brown, sem dúvidas. Na fase posterior ao falecimento do meu pai, destacaria a Rafaga Sureña. Mas acredito que aqueles dois foram insuperáveis. Sobre a Emerald Hill, inclusive, mais uma curiosidade. Meu pai tinha o desejo de adquirir uma potranca do Haras Guanabara, por muito admirar a criação dos Seabra. Até que, um dia, lhe ofereceram 3 potrancas da geração 74 do haras. Ele teria de escolher apenas 1 delas. Felizmente selecionou a Emerald Hill.

Beto, Matias e Carmen posam entre Dark Brown (esq.) e Big Lark: dobradinha da criação Rosa do Sul no GP São Paulo de 1980.

Imagem: Revista Turfe & Fomento

Muito embora esses estejam acima dos demais, na minha opinião, houve muitos outros que me deixaram excelentes recordações. O Soberbo, por exemplo. Um filho do Restless Jet, de criação do Rosa do Sul e propriedade do Stud Malabo – que foi uma parceria minha com o João Geraldo Bordon, do Haras Larissa. Ele correu 6 vezes, vencendo as 6. Na última, ganhou a Taça de Prata, em recorde, da distância e da prova, para cima do Hilo, um Jade Hill, que, por sua vez, era filho do Tumble Lark na própria Emerald Hill. Quem corria brigando com o Soberbo, àquele dia, para se ter uma ideia da qualidade do páreo, era o Romarin, que finalizou fora do marcador. Infelizmente, por um problema de tendão, o Soberbo teve um fim precoce de campanha. Outro 2 anos formidável foi o Equation, que despontou vencendo o GP Turfe Paranaense, uma penca, e manteve sucesso até a milha, distância na qual fez segundo para o New Attack na Taça de Prata e derrotou o mesmo New Attack no GP Ipiranga. Venceu 6 em 8.

Eu também não poderia deixar de mencionar a Damping Wave. Ela ficou muito próxima de vencer as duas tríplices coroas, em São Paulo e no Rio de Janeiro – fato que, até hoje, jamais ocorreu. Em ambas, faltaram-lhe apenas os Grandes Prêmios Diana, sendo que nesse páreo, em São Paulo, ela perdeu uma corrida sem nome para a Bela Reca. Viria a vencer, ainda, o GP OSAF e exportada para Argentina também foi ganhadora clássica por lá.

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