06 nov 2023 | 16:04:16

Cody Dorman, Cody's Wish e os mistérios da vida

Dois dias após bicampeonato do corredor da Godolphin na Breeders' Cup Mile, homenageado faleceu, aos 17 anos. História marcante e transformadora, que não há de terminar por aqui.


Cody Dorman e Cody's Wish: protagonistas de uma história transformadora.

Imagem: NBC Sports

Num ambiente de tamanha competitividade, também pelo fato de haver antagônicos interesses corporativos sendo postos em choque, a cada grito de largada, é muito comum que o turfe relegue a um segundo plano - ofuscado pelos resultados da pista, pelos seus ganhadores e impactos econômicos advindos disso tudo - histórias nas quais, muitas vezes, não é possível indicar, com clareza, quem venceu. Quais foram os profissionais mais bem sucedidos. Qual garanhão sai pela proa daquele meeting - e qual sai desmoralizado. Tampouco quanto pagou a quadrifeta.

Contudo, a tradição do mundo das corridas de cavalo - e dos cavalos de corrida -, enquanto algo capaz de ser levado adiante, de geração em geração e que faz com que tantos atores sociais diferentes compartilhem de um mesmo sentimento, só se torna um fenômeno possível, justamente, à base dessas passagens e acontecimentos que jamais farão parte do retrospecto de uma corrida - ou dos resultados oficiais de um hipódromo.

Há 5 anos, a Make-A-Wish Foundation realizou uma, dentre tantas ações, que correspondem à finalidade da instituição. Fundada em 1980, no Arizona, a Make-A-Wish possui, como objetivo, proporcionar a crianças e adolescentes, entre 2 e 18 anos, sob condição de enfermidade severa, a realização de um desejo. Algo que, sobretudo naquele contexto, seria improvável de se fazer, senão com a intervenção de uma entidade organizada da sociedade civil. 

Essa ação, em específico, consistiu em proporcionar a Cody Dorman, então com 13 anos e portador da síndrome de Wolf-Hirschhorn, uma visitação à Gainsborough Farm - o haras no qual funcionam as operações de Darley e Godolphin, no Kentucky. Num determinado momento do passeio, pelo haras - mais especificamente na seção dos produtos recém nascidos - percebeu-se o despertar de uma empatia recíproca entre Cody e um daqueles animais de tenra idade, com poucos meses de vida. Tratava-se do quarto filho da égua Dance Card, uma Tapit ganhadora de 4 corridas - dentre as quais, o grupo 1 do Gazelle Handicap.

Como resultado do encontro, decidiu-se por batizar o potro de Cody's Wish.

Nesta altura do texto, se é que, por qualquer motivo, ainda não fosse possível identificar de quem ou de que se tratava, tudo fica às claras. Cody's Wish viria a se tornar um dos melhores corredores de sua época, nos Estados Unidos. Em paralelo, Cody Dorman e sua família (residentes no Kentucky), por diversas vezes, viajaram pelo país para acompanharem seu íntimo amigo - fosse nas cocheiras do treinador Bill Mott; fosse em diferentes hipódromos, a fim de testemunhar as conquistar de Cody's Wish.

A última dessas viagens aconteceu no final de semana passado. Cody e seus pais estavam em meio aos muitos que torciam por Cody's Wish, na sua tentativa de vencer, pela segunda vez, a Breeders' Cup Dirt Mile - a qual, já havia sido anunciado pelo staff da Godolphin, corresponderia à derradeira atuação do corredor.

Numa chegada emocionante e dramática - tal qual demandam as histórias épicas -, com direito a sino de reclamação e uma, relativamente, demorada decisão dos comissários, Cody's Wish pode encerrar, com um final feliz, a sua trajetória, enquanto atleta das corridas de cavalo.

Aquele, contudo, não seria o ponto final de um enredo grandioso. Grandioso a ponto de o disco de chegada de Santa Anita Park representar algo muito pequeno, incapaz de represar todo o significado presente àquelas tantas vidas entrelaçadas.

No retorno da família Dorman para casa, no domingo, Cody faleceu.

A notícia, que passou a ser repercutida e compartilhada, na manhã desta segunda-feira, vem, desde então, emocionando gente de todas as partes do mundo. Sobretudo os turfistas, por certo, que acompanharam, muito de perto e em detalhes, o curso de uma história na qual, por vezes, é difícil de se acreditar. De tão forte e belo restaria, inclusive, a dúvida, para um desavisado, a respeito da verossimilhança do que se passou, entre Cody Dorman e Cody's Wish.

Nesse arranjo de fatos e - mais, uma vez, quase inacreditáveis - desenlaces, incorremos no erro de assumirmos que, nesse intervalo de 24 horas, a história dos xarás, acompanhada por milhões, dentre anônimos e entusiastas, conheceu seu fim. Algo abrupto. Algo perfeito. Ou irremediável. Para todos os efeitos, porém, seria um desperdício, simplesmente, aceitar o apagar das luzes, como se nada mais restasse a ser falado ou ouvido, sobre daqueles que compartilharam de um mesmo nome e, cada qual dentro de suas limitações, físicas e cognitivas, ainda assim foram além. 

Cody Dorman e Cody's Wish estiveram por aqui para que nunca nos esqueçamos ou ignoremos toda a capacidade que repousa sobre as quatro patas de um ser que, muito embora não possuindo a capacidade da fala, muito ensina, muito educa e muito transforma. O cavalo, independentemente de sua capacidade desportiva, demanda respeito e cuidados, para muito além do que nós, admiradores, treinadores, veterinários, criadores e proprietários, muitas das vezes, estamos acostumados a lhes dar. O próximo, igualmente, ainda que a vida lhe reserve entraves e limitações, muito tem a nos ensinar - desde que, é claro, estejamos abertos a isso e sempre prontos a lhe esticarmos a mão.

A história dos "Codys" não termina aqui. Cabe aos seus espectadores, de agora em diante, a responsabilidade da sua escrita e de não se deixar perder, em qualquer página ou capítulo, todas as lições que, com ambos, pudemos aprender. 


por Victor Corrêa

 

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