06 dez 2019 | 12:40:25

ABCPCC entrevista: Flavio Geo

Figura presente à trajetória de grandes craques e renomadas coudelarias, Flavio Geo atravessa décadas enquanto um dos mais destacados profissionais da medicina veterinária, no universo turfístico nacional.


Quem vê Luiz Flavio Geo de Siqueira acompanhar seus renomados “pacientes” nas fotografias dos principais páreos do turfe brasileiro, enxerga, na realidade, apenas o momento clímax, de coroamento, de um trabalho bem-sucedido. Até se chegar ali, contudo, muitos são os desafios do renomado veterinário, nos bastidores de cada corrida e de cada cocheira. E por trás desses bastidores, uma vida dedicada ao exercício da medicina veterinária, com ênfase no cavalo Puro Sangue Inglês.

Flavio Geo e equipe saúdam, na raia, Jeune-Turc: uma das 8 vitórias no GP Brasil, do profissional.

Imagem: Divulgação JCB

Em que pese ter colado grau de bacharel no curso de veterinária da Universidade Federal Fluminense, em 1982, Flavio deu seus primeiros passos, no ambiente turfístico, um pouco antes. Em 1979, foi admitido como estagiário no Hospital Octavio Dupont, sob a batuta de José Roberto Taranto. Falecido recentemente, Taranto marcou seu nome na história do turfe brasileiro, bem como nas vidas de diversos profissionais, que, a exemplo de Flavio, receberam do icônico médico veterinário, uma chance para trabalhar em meio aos cavalos de corrida – e estarem em contato com novas técnicas e aprendizados.

“Uma grande virtude do Dr. Taranto foi a constante busca pela novidade, o interesse em se manter atualizado e a introdução de novas técnicas de abordagem e aparelhos mais modernos na prática da medicina veterinária. Por meio dele, tivemos contato com grandes especialistas de outros países e pudemos conhecer novos métodos de tratamento. Nesse aspecto, aliás, tais técnicas eram entregues aos seus orientandos, sem qualquer reserva de mercado. Permitia-nos ‘colocar a mão na massa’”, relata Flavio.

“Após formar-me, em 1982, trabalhei, por 2 anos, como assistente do Dr. Taranto. Depois disso, em 1985, abri minha própria clínica, no Jockey Club Brasileiro – na Vila Hípica, 26. Prestei assistência a grandes haras e centros de treinamento”, comenta.

Em Oklahoma, no ano de 1992: período de reciclagem e novos conhecimentos.

Imagem: Arquivo Pessoal/Flavio Geo

A condição de profissional reconhecido e notabilizado, apesar de jovem, não serviu para trazer acomodação à vida de Flávio. Mesmo com 2 troféus do Grande Prêmio Brasil (Troyanos, em 1989, e Villach King, em 1991) já na sua galeria, à época, e prestando serviços ao Haras Santa Maria de Araras e ao Stud TNT, o veterinário partiu para os Estados Unidos, no ano de 1992, quando completou 10 anos de formado.

“Fui com a intenção de fazer uma ‘reciclagem’. Trabalhei 1 ano como veterinário residente do hospital veterinário Oklahoma State University, atuando com ênfase em cirurgia e vídeo artroscopia. Quando retornei ao Brasil, construí a clínica na qual atuo até hoje, realizando cirurgias de artroscopia e outros procedimentos.”

Dentre as inúmeras artroscopias realizadas por Flávio, houve a realizada em Much Better, após sua atuação no Derby Paulista de 1992. Cavalo que marcou, de modo especial, a carreira do veterinário, Much Better viria a competir até os 7 anos de idade. Questionado se as técnicas atuais renderiam uma campanha ainda mais longeva ao seu ilustre pensionista – que lhe proporcionou vitórias nos Grandes Prêmios Brasil, São Paulo, Carlos Pellegrini, Latinoamericano (duas vezes) e, ainda, uma atuação no Prix l’Arc de Triomphe – o profissional pondera ser difícil realizar tal afirmação.

Much Better desembarca, em Paris: registro feito, por Flavio, de um pupilo inesquecível.

Imagem: Arquivo Pessoal/Flavio Geo

“Talvez... Mas Much Better foi uma exceção. Acho que ele fez uma campanha bem produtiva e os problemas que teve, durante sua campanha, hoje seriam abordados praticamente da mesma forma”, explica.

Além das várias viagens nas quais acompanhou Much Better e poder presenciar, in loco, as reações do animal a cada novo ambiente, Flávio também viria a atender alguns dos PSI brasileiros de maior sucesso no exterior. Leroidesanimaux, por exemplo, recebeu seus serviços, no Brasil. Nos Estados Unidos, tornou-se um dos melhores animais de sua época, recebendo o Eclipse Award de Melhor Animal de Pista de Grama, em 2005. Questionado sobre o fator aclimatação experimentado em cada uma dessas jornadas, o profissional acredita que, quanto mais cedo ocorre a exportação, maior tende a ser a chance de êxito quanto à aclimatação ao novo ambiente.

“Acho que o principal fator da ‘aclimatação’ é o conhecimento do potencial do indivíduo. Um dos melhores resultados observados em animais enviados para fora foi Leroidesanimaux, que seguiu para os Estados Unidos muito cedo, com apenas 2 atuações. O difícil é saber se é real o potencial do cavalo exportado precocemente. Quanto mais novo o cavalo for exportado, melhor para a aclimatação. Porém, nem sempre o cavalo novo exportado é o cavalo certo para isso. Avaliação clínica e exames de apoio são importantes na seleção dos animais, pois a saúde física, como um todo, é um fator determinante também na aclimatação do cavalo”.

Leroidesanimaux: enviado aos Estados Unidos, após 2 exibições na Gávea, revelou-se Champion na América do Norte - e pai de ganhador do Kentucky Derby.

Imagem: Jessie Holmes

Sem prejuízo dos corredores mencionados anteriormente, a trajetória de Flavio, no turfe, também é marcada pela assistência veterinária prestada a tantos outros animais de exceção. Além das oito taças do GP Brasil obtidas por “pacientes” seus (depois dos já citados Troyanos, Villach King (2x) e Much Better, vieram Velodrome, Jeune-Turc, Barolo e My Cherie Amour; os dois últimos, a exemplo de Much Better, operados por artroscopia antes de vencer o GP Brasil), Flavio atendeu a 3 tríplices coroados: Super Power, Old Tune e No Regrets. Perguntado acerca do nível de importância atribuída ao veterinário no cenário das corridas de cavalo – sobretudo no avançar do tempo – Flávio responde que vê a classe profissional ainda distante do protagonismo que realmente merece.

“O veterinário continua tendo um papel coadjuvante, mesmo nos dias de hoje. Na crença popular, veterinário ‘não ganha corrida’. Na minha opinião, o veterinário possui uma atuação preponderante na prevenção de problemas e no controle de doenças, que são fatores que limitam a performance. Novas técnicas de diagnósticos e tratamentos são importantes nos dias de hoje e podem ajudar bastante os cavalos a manter a performance, em seu nível máximo. Entretanto, a atual situação do turfe tem dificultado muito, em todos os sentidos. A veterinária do cavalo de corrida sempre foi ‘de ponta’, mas, atualmente, tem ficado para trás, pois investimento em novas técnicas e aparelhagem têm diminuído bastante para o cavalo de corrida. Isso não se aplica, porém, a outras modalidades de esportes equestres e raças de cavalos. O turfe, em si, passa por muita dificuldade. O custo da manutenção contra uma baixa premiação vem desestimulando proprietários a submeterem seus animais a algum tratamento ou procedimento cirúrgico, chegando a optar, muitas vezes, em dar o animal a alguém, ao invés de aguardar sua recuperação e seu retorno às pistas”.

Flavio Geo e João Luiz Maciel.

Imagem: Arquivo Pessoal/Flavio Geo

Questionado, especificamente, sobre a mencionada necessidade de investimentos em novas práticas e tecnologias, as quais, em se tratando da medicina humana, possibilitam a realização de intervenções com um período, cada vez menor, de recuperação para atletas de alta performance, Flávio explica, contudo, no caso de equinos, a própria natureza dos procedimentos realizados impossibilita que os avanços deem-se na mesma velocidade:

“A recuperação do cavalo é diferente daquilo que se vê com atletas humanos. Normalmente, as cirurgias, de recuperação rápida, em humanos, são realizadas nas partes ‘moles’. Ou seja, ligamentos, meniscos etc. Na artroscopia equina, normalmente operamos a parte óssea e a recuperação é sim mais lenta. De uns anos para cá iniciamos as cirurgias de atroscopia para partes ‘moles’ de equinos, mas também com recuperação mais lenta do que se compararmos com o que se vê em relação aos humanos. O grande problema, na veterinária de hipódromo, é o tempo de recuperação. Os animais têm uma vida útil muito curta e lesões de recuperação demorada ‘não servem’ para a maioria dos proprietários. Cavalos de salto e outras raças, muitas vezes necessitam de 6 meses a 1 ano de tempo recuperação, e isso é algo geralmente bem aceito. Já para o cavalo de corrida, muitas das vezes, esses períodos são um fator limitante para o proprietário”, explica.

Atualmente, Flávio divide-se entre o Jockey Club Brasileiro e os centros de treinamento, na serra fluminense, a fim de atender animais de diferentes coudelarias e treinadores. Às terças-feiras e quartas-feiras visita os centros de treinamento Vale do Itajara, Vale da Boa Esperança, Vale do Marmelo, Dedo de Deus e Bela Vista, além do Haras Santa Rita da Serra. No restante da semana, permanece no Hipódromo da Gávea. Acompanham-lhe no dia-a-dia a secretária Rosana Cunha (que presta serviços a Flávio há mais de 30 anos), o médico veterinário Luiz Fernando Fagundes e o auxiliar de serviços, Ronaldo Silva.

Com os filhos, Guilherme (esq.), Eduardo e Julia, em Galápagos: viagem fotográfica.

Imagem: Arquivo Pessoal/Flavio Geo

Além da prática profissional, Flávio também vem se dedicando a um interessante hobby: a fotografia. Amante, de longa data, dos recursos visuais, Flávio percorre destinos de rica fauna e flora, justamente, para realizar seus registros fotográficos.

“Sempre gostei muito de fotografias e filmagem. Me lembro que, ainda no ensino básico, no Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro, viajava com minha série, para encontros esportivos, e levava minha filmadora Super 8. Tenho esses filmes até hoje. Quando descobri o Instagram, resolvi colocar ali as fotos de minhas viagens relacionadas a animais e natureza. Considero-me um fotógrafo amador que teve a felicidade de conseguir prêmios com minhas fotos. Consegui a ‘façanha’ de ganhar um concurso de Retrato Animal realizado por uma ONG inglesa de proteção de Galápagos. No perfil no Instagram (@fgeonat) tenho fotos de viagens à África do Sul, Tanzânia, Quênia, Galápagos, Pantanal Mato Grosso, San Andres, Amazonas, Fernando de Noronha, dentre outros lugares. Conhecer Galápagos, sobretudo, foi mágico. Acho que é um lugar muito especial em função de tudo que foi proposto por Charles Darwin após sua expedição entre 1831 e 1836. Fui duas vezes para lá. Essa ilha marcou minha vida e tenho certeza que a vida dos meus três filhos também, que me acompanharam a uma dessas viagens, para Galápagos.”

Fotografia de Flavio, tirada em Galápagos, vencedora de concurso britânico.

Imagem: Arquivo Pessoal/Flavio Geo 

Quando se aproximava o final da conversa, o profissional foi indagado, por último, acerca das muitas histórias e casos “de bastidores” que presenciou, ao longo de sua carreira, e que se confundem com importantes passagens do turfe brasileiro. Bem-humorado, selecionou, contudo, um breve ‘caso de cocheira’ – tais quais aqueles que marcam, o dia-a-dia, das vilas hípicas ao redor do país.

“O segundo gerente Russo, certa vez, preparou uma injeção no laboratório da cocheira e saiu em direção à cocheira do animal que receberia a injeção. A seringa, porém, estava sem a proteção da agulha. Vendo aquilo, um veterinário disse para ele ‘Russo, coloca a capa da agulha. Você vai andar até a cocheira com a agulha exposta’? Nisso, o Russo respondeu: ‘Doutor, com todo o respeito, mas com tanto lugar para o vírus pousar, o senhor acha que ele vai pousar bem na pontinha da agulha?’” Arremata.

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