17 jun 2021 | 17:08:17

Entrevista: Antônio Landim Meirelles Quintella

Tendo, recentemente, concluído seu ciclo enquanto presidente da Associação Brasileira dos Criadores e Proprietários do Cavalo de Corrida, o criador, proprietário e dirigente compartilhou algumas de suas experiências e opiniões sobre o turfe brasileiro.


Antônio Quintella presidiu a ABCPCC e segue compondo seu Conselho Deliberativo

Imagem: Arquivo Pessoal

Turfista, de longa data, o advogado Antônio Landim Meirelles Quintella, após desenvolver paixão pelo turfe, levou-a adiante das mais diferentes maneiras: criando cavalos de corrida, mantendo-os em sua propriedade e comparecendo a diferentes países e hipódromos, a fim de materializar seu interesse e descobertas sobre o turfe, em escala mundial.

Mais recentemente, Quintella assumiu compromisso de grande exigência e desafio: foi presidente, por 3 anos, da Associação Brasileira dos Criadores e Proprietários do Cavalo de Corrida. Seu mandato encerrou-se no último mês de abril, permanecendo no corpo diretivo da entidade, contudo, na composição de seu Conselho Deliberativo.

Em conversa com a reportagem do website da ABCPCC, Quintella contou um bocado de sua história, enquanto turfista, bem como compartilhou experiências, opiniões e ideias manifestadas enquanto dirigente.  

Antes da ABCPCC, como Antonio Landim Meirelles Quintella começa a contar sua história, no turfe? Como tudo começou?

R.: Nasci em 1961, morador do Jardim Botânico que fica ao lado do Hipódromo Brasileiro. Nessa época, ainda mais com incentivo familiar, os residentes do Jardim Botânico e Gávea nasciam turfistas. Não fui exceção.

Você possui contato com a atividade turfística, há um bom tempo e em várias frentes: criador, proprietário, “viajante e curioso” quanto ao turfe praticado em outros países. Vivenciou diversas e intensas experiências nesses diferentes setores da atividade. Diante disso tudo, a presidência da ABPCPCC foi do “tamanho” que você imaginava, algo que você já era capaz de mensurar, em suas expectativas, ou te surpreendeu, em alguma medida?

R.: A ABPCPCC representa os protagonistas do turfe e administra o cartório de registros dos animais PSI. Uma entidade importante e tradicional que demanda empenho e atenção do administrador. A presidência da ABCPCC, para mim, representou um desafio prazeroso e na justa medida da expectativa. Surpresa desagradável: só a pandemia.

Quando sua diretoria tomou posse, em abril de 2018, já era de se imaginar naturalmente, que muitas dificuldades e desafios estavam por vir. Ninguém, contudo, poderia supor algo da gravidade e das proporções da pandemia que nos assola. Dentre todos os seus projetos e ideias, dentro da ABCPCC, qual foi a mais prejudicada em virtude da pandemia?

R.: Para o ano final do mandato ficou estabelecido o apoio integral e presencial aos prados de reta. O vice-presidente Mano Moglia e o Anderson Stabile já estavam a postos para me acompanhar nos eventos, com a orientação do estimado Allan Guerra (ABCR) e as bênçãos do Camil Georges. A pandemia frustrou o que foi projetado em tal aspecto, o que muito me entristeceu.

O ganhador de G1, Poker Face, milita entre os reprodutores nacionais

Imagem: Gérson Martins/Divulgação JCB

Qual foi, na sua opinião, o principal feito da gestão recém-encerrada? E qual teria sido a pauta ou tema que, apesar de relevante, não evoluiu dentro das expectativas, suas e dos seus pares de diretoria?

R.: As ações foram complementares, voltadas para o incentivo à criação nacional e proteção aos proprietários. Sem dúvida o bem sucedido combate aos maus pagadores foi instrumento essencial para alcançar tais objetivos. O Festival de 7 provas projetado e viabilizado pelo Dr. Glaser, o anuário de reprodutores e a retomada do diálogo com associações representantes de outras raças também constituíram avanços positivos a destacar, assim como a aproximação do fundamental segmento das retas. Não evoluíram a contento o enfrentamento da questão do mormo e dos impostos de importação, ações muito prejudicadas pela pausa que a pandemia causou. Não se pode também deixar de destacar e louvar a atuação do Dr. Glaser à frente das finanças da ABCPCC, transformando e viabilizando a própria existência da entidade.

Uma das iniciativas que mais movimentaram os bastidores do turfe nacional, a partir da sua gestão, foram as medidas tomadas contra players inadimplentes. Como foi o início dessa guinada, qual foi o padrão de efetividade dela e quais os próximos passos e desafios nessa agenda?

R.: O mau pagador agride toda a cadeia produtiva do cavalo. Quem recebe o calote fica naturalmente menos estimulado a criar e correr cavalos, circunstância que reflete diretamente no número de registros e, consequentemente, nos programas dos hipódromos, empregos e arrecadação de tributos. Com o cartório de registros do Stud Book dificultando a vida dos maus pagadores, decerto que o panorama mudou bastante e os negócios envolvendo cavalos passaram a ostentar maior segurança, em que pese certa turbulência no início desse processo. Com o passar do tempo, os benefícios da regularização do mercado ficaram evidentes e tudo trafega, atualmente, em paz.

Olhando, em retrospecto, para a ABCPCC, em 2018, e olhando, agora, para a mesma entidade cuja presidência agora é assumida por Luis Felipe Brandão dos Santos, quais as diferenças e mudanças mais significativas?

R.: Destaco o enfrentamento aos maus pagadores e estreitamento de relações com os criadores e proprietários dedicados às retas, segmento importantíssimo do turfe brasileiro. Também não se pode olvidar do magnífico trabalho dos funcionários à frente da parte administrativa e do Dr. Glaser na parte financeira, esta totalmente reorganizada e saneada.

Vencedor graduado aos 8 anos, Minion foi um dos corredores inesquecíveis da farda

Imagem: Gérson Martins/Divulgação JCB

E o Quintella, na pessoa física: como é o antes e o depois dessa experiência?

R.: A tarefa de presidir a ABCPCC atrai obrigações importantes e muito conhecimento. Qualquer pessoa sai do cargo melhor informado a respeito das peculiaridades e dificuldades do turfe brasileiro. Saio com muita gratidão ao corpo de funcionários e à diretoria que formaram a bem sucedida estrutura que a nova administração recebeu.

Na sequência, vamos tratar de 2 dos principais problemas, que afetam a indústria turfística, no Brasil. O primeiro deles: apostas. No Brasil, em razão de diversos motivos, desenvolveu-se uma relação muito capciosa entre apostas e (falta de) moralidade, ou coisa do tipo. Ao não nutrirmos uma cultura de apostadores e recriminarmos o jogo, em determinadas esferas sociais, parece que enxergamos uma verve moralizadora nessa questão – como se fossemos melhores do que alguém, por recriminarmos o jogo. No turfe, a situação é ainda mais crítica.

A pedra única, naturalmente, é uma demanda antiga e sempre necessária. No entanto, em sua opinião, ela seria suficiente para atacarmos o problema? Ou um retorno à agenda dos sweepstakes, investimento nas pules cotadas ou cardápios mais fáceis e simples de apostas, voltados ao público leigo, viriam “antes” da pedra única, numa comparação de prioridades? 

R.: Apostas: a cultura de repelir as apostas não surgiu agora no país. O fechamento dos cassinos, por exemplo, ocorreu em 1946. O governo Jânio, de curta duração, estabeleceu série extensa de limitações ao turfe, em 1961. Tal postura hipócrita e anacrônica, há muito tempo, vem orientando comportamento social hostil ao turfe. A proposta legislativa de aprovação do jogo no país irá prosperar, cedo ou tarde, beneficiando a geração de empregos e arrecadação de impostos. No Brasil até o óbvio merece explicação. Incrível! Quanto aos cardápios de apostas, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento exponencial das apostas esportivas conduzirão o turfe ao encontro do público ainda não afeiçoado ao universo das corridas, angariando riqueza para a atividade e prazer lúdico para os novos apostadores. Em curto espaço de tempo acredito que tudo se ajustará em benefício de todos e mediante grande geração de mais empregos e tributos.

Problema número 2: o mormo. A questão é bastante ampla e pode ser debatida por diferentes ângulos. Agora, se eu lhe pedisse para, objetivamente, indicar quais seriam nossas medidas mais necessárias, a curto prazo, para avançarmos positivamente na pauta, quais seriam?

R.: Auto declarado endêmico para mormo, o Brasil atraiu série extensa de barreiras sanitárias contra o cavalo de corrida nacional, que não é afetado pela moléstia, típica de muares do Nordeste Brasileiro. Ninguém jamais contemplou um só caso de mormo em qualquer hipódromo ou criatório de cavalos puro sangue inglês. A auto declaração de país endêmico para mormo aparelhou a burocracia estatal com mais um núcleo gerador de mais burocracia (e cargos/ gratificações), dotando os laboratórios (credenciados pela burocracia) de importante fonte de receita, como qualquer proprietário de cavalos não desconhece. Tal panorama de incentivo à indústria do mormo, concedeu aos concorrentes comerciais do cavalo brasileiro a suprema oportunidade para o estabelecimento de barreiras que dificultam extremamente a exportação, notadamente para a Europa e Oriente. Com o apoio da Câmara de Equideocultura – José Carlos Lodi Fragoso Pires à frente – tiveram início importantes gestões junto ao MAPA e Itamaraty, para estabelecer critérios que diferenciem o cavalo PSI dos equinos que, verdadeiramente, podem sofrer as consequências da moléstia. A pandemia do covid-19 estabeleceu um ritmo lento para as gestões junto ao MAPA e Itamaraty, aguardando-se a dinamização da importante pauta para o segundo semestre deste 2021.

O fundista Tiptronic também integra o rol dos melhores corredores do Stud Quintella

Imagem: Arquivo Pessoal

Um dos seus melhores animais, o Poker Face hoje carrega, juntamente de outros, a árdua missão de vingar, enquanto garanhão nacional, num mercado tão pouco receptivo ao cavalo “feito aqui”. Além da redução de emolumentos e outras benesses do tipo, aplicáveis aos garanhões nascidos no país, quais outras medidas você entende serem possíveis e passíveis de serem adotadas para a melhor utilização do PSI brasileiro, na reprodução?

R.: O Brasil gerou reprodutores notáveis: Zenabre, Emerson, Clackson, Sabinus, Itajara e outros maravilhosos sementais. Redattore, recém desaparecido, foi também um ponto de destaque, sem olvidar que Leroidesanimaux produziu Animal Kingdom, ganhador do Kentucky Derby. A grande qualidade do reprodutor nacional nem se cogita, portanto, de se colocar em dúvida, como o excelente Setembro Chove confirma a todo momento. Austrália e até bem pouco tempo a vizinha Argentina foram muito bem sucedidas no aproveitamento dos reprodutores nativos, bastando citar Exceed and Excel (Austrália) e Fitzcarraldo, filho de Cipayo (Argentina) para acentuar a importância dos reprodutores nascidos no hemisfério sul, principalmente Forli, pai de Special, logo avó de Nureyev e presente na ascendência de Sadler’s Wells e, por fim, de Galileo. Por qual motivo então o reprodutor nativo é pouco aproveitado no Brasil? Dupla motivação: desprezo atávico pelos valores nacionais e, claro, a boa qualidade genética e física dos exemplares estrangeiros, nem sempre de boa campanha.

Hard Boiled: farda da parceria entre Quintella e o presidente do Jockey Club Brasileiro, Raul Lima Neto

Imagem: Sylvio Rondinelli/Divulgação JCB

Ainda em relação à pergunta anterior: seria favorável, por exemplo, limitar importações com base em campanha e pedigree, ou entende que isso corresponderia a medidas arbitrárias e contrárias à capacidade autorreguladora do mercado?

R.: A interferência arbitrária nas preferências dos criadores além de revestida de elitismo mais que anacrônico, serve de desestímulo para a atividade ante limitação do elemento subjetivo que concentra a mística do turfe. Cada um que faça o que bem entender, respeitadas as regras do Stud Book Brasileiro.

Em meados do ano passado, você se licenciou da presidência da ABCPCC para participar das eleições de diretoria, no Jockey Club Brasileiro, na qual Raul Lima Neto, de quem você foi correligionário e é, agora, par efetivo, de diretoria, sagrou-se vencedor. Qual é a sua avaliação, por ora, da gestão levada a cabo, no JCB?

R.: Raul Lima Neto, pessoa honrada e bem mais afável que seu antecessor. Formou uma equipe, fez escolhas e o tempo dirá se o caminho eleito pela nova administração do JCB foi o melhor para o cavalo de corrida. Como diretor, atualmente sem qualquer papel relevante, aguardo sempre que o melhor aconteça e no menor espaço de tempo possível.

Ainda falando de JCB: a curto prazo (e levando em conta que, num determinado momento, as coisas tendem a retomar à normalidade, com o avanço da vacinação e, oxalá, terapias ostensivas a serem pesquisadas e desenvolvidas), há algum projeto ou ideia de maior importância ou proporção, a serem executados?

R.: Decerto que o Dr. Raul terá condições ideais para apontar os projetos e caminhos que elegeu para o Jockey Club Brasileiro. A restituição de uma parte dos prêmios e a supressão da taxa para inscrever apontam para a intenção de prestigiar os proprietários, sempre muito sacrificados no contexto atual do turfe brasileiro.

O Raul, a quem mencionamos há pouco, é uma das pessoas com as quais você possui cavalos em sociedade. Há, todavia, outras fardas e coudelarias vistas em ação, nessas mesmas condições. Comente um pouco a respeito.

R.: O turfe nos presenteia com excelentes relações pessoais, muitas delas se transformando em amizades ao longo dos anos. Tais amizades transbordam para as pistas, sob a forma de sociedades. Em meu caso pessoal tais sociedades foram muito bem sucedidas e proporcionaram vitórias importantes de Grupo 1 (Fonte Azul, Outplay, Esfinge e Hard Boiled) e uma Taça Quati (Quiron). Acredito que o Dark Bobby (sociedade com Anderson Stabile) não venceu o Mossoró de melhor arenático porque a premiação inocorreu em 2020. Parcerias cujo sucesso, espero, prossiga nas próximas temporadas, inclusive com meu dileto amigo Walter (Stud Amalgama), ora ausente do turfe.

Deixando um pouco de lado o posto de dirigente, em relação ao “Quintella turfista”: qual foi a sua maior emoção, na atividade?

R.: Cada vitória representa a renovação da estima pelo cavalo de corrida e por toda a atividade. Difícil apontar um episódio mais emocionante que os outros ao longo de tanto tempo. Vencer uma prova de Grupo 2 com um cavalo de 8 (oito) anos, contudo, marcou bastante. Por tal emoção reverencio Minion, cavalo com mais brio a defender as cores do Stud Quintella, muito bem representada por um sem número de outros bons animais.

Quantos animais compõem o seu plantel, na atualidade, entre criação e treinamento?

R.: O Stud Quintella possui, atualmente uma meia dúzia de cavalos em carreira e uns outros poucos em sociedade. As éguas também poucas – mas bem selecionadas – vão gerando seus bons frutos. Nunca deixei de ser, junto com meu falecido pai, um pequeno proprietário com resultados expressivos. Nada muito além disso.

Dentre os vários defensores de sua farda, qual é aquele que ocupa um lugar especial em sua recordação?

R.: Além do Minion, posso citar o fundista Tiptronic como um cavalo bem marcante em sua época, pela característica ousada de correr distâncias alentadas como se os adversários não existissem.

Ao falarmos do “Quintella turfista”, naturalmente, não conseguimos dissociar sua farda da pessoa do Carlos Lavor. Trata-se , certamente, do contrato mais longínquo, ainda ativo, entre um jóquei e uma coudelaria, no Brasil. O que essa relação significa para você?

R.: Lavor começou a montar para o Stud Quintella no século passado e venceu muito, sempre com fidelidade e dedicação exemplares, sem falar na eficiência e extremo profissionalismo. Uma relação profissional transformada em grande amizade, que se prorrogará ainda por muitos e muitos anos.

Quais foram o melhor cavalo, o melhor jóquei e o melhor treinador que você viu, no turfe brasileiro? E no turfe internacional?

R.: Respondendo de bate-pronto. Cavalo brasileiro: Emerald Hil, Itajara, Bal a Bali, Quari Bravo e Much Better. Cavalo estrangeiro: Enable, American Pharoah, Kingmambo e Melody Belle. Jóqueis brasileiros: Lavor à parte, Bolino, Goncinha, Juvenal, Jorge Ricardo e Ivan Quintana. Jóqueis estrangeiros: Gary Stevens. Treinadores brasileiros: Paulo Morgado, João Maciel e João de Assis Limeira, para mencionar os que conheci mais de perto. Treinadores estrangeiros: não posso opinar, mas assisti Vicent O’Brien, já septuagenário, trabalhando em Ascot com um pano na mão e de modo eficiente, modesto e muito elegante.

Quais são seus maiores sonhos e objetivos enquanto criador e proprietário?

R.: Vencer no nível mais elevado possível e nunca deixar de participar das corridas.

Para encerrarmos: sua mensagem ao público turfista.

R.: Chega de pessimismo!

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