ABCPCC entrevista: Carlos Alberto Machline (parte final)
Das provas de cancha reta aos páreos de fundo. Do Oiapoque ao Chuí. Fato é que o Haras Rosa do Sul tornou-se sinônimo de versatilidade e vitórias, quando dos mais pujantes e concorridos tempos do turfe brasileiro.
Na última semana foi ao ar a primeira parte da entrevista concedida por Carlos Alberto Machline ao website da ABCPCC. Filho de Matias Machline, que por meio do Haras Rosa do Sul protagonizou feitos históricos no turfe brasileiro - e também em outros países - Beto, como é comumente chamado, revisitou capítulos, nomes e façanhas marcantes da vitoriosa coudelaria.
Abaixo, a segunda – e última – parte da entrevista.
ABCPCC: De Tumble Lark a Purple Mountain, o Haras Rosa do Sul protagonizou algumas das mais bem sucedidas importações da criação brasileira, durante vários anos. Como funcionava a seleção desses animais? Quais os critérios e profissionais utilizados por Matias Machline nesse processo?
Ele possuía seus princípios e ideias, que norteavam as aquisições. Era assessorado, também, por um assistente argentino, na compra desses animais. Na minha opinião, a mais bem sucedida das importações foi o Restless Jet, pai do Meu Gaúcho, da Met Blade, dentre outros brilhantes animais. Consagrou-se como um excelente avô materno e as suas filhas seguem, até hoje, aparecendo nos pedigrees de bons ganhadores da atualidade. Depois vem o Tumble Lark, que quantitativamente cobria mais que o Restless Jet. E em terceiro, Purple Mountain. Perceba que enquanto o Restless Jet e o Purple Mountain foram ganhadores clássicos, o Tumble Lark foi comprado, pelo meu pai, num claiming. Ele tinha muito cristalina essa ideia de combinar a genética argentina com a norte-americana, e no caso do Tumble Lark levou em consideração a sanidade física do animal, que correu mais de 70 vezes.
ABCPCC: Falando em profissionais: o Haras Rosa do Sul sempre contou com os serviços de alguns dos melhores jóqueis, treinadores e veterinários de nossa história...
Também nesse aspecto, tivemos a chance de contar com profissionais excelentes. Aliás, é sempre importante reverenciar o trabalho de gente que doa uma vida inteira ao turfe e que possibilita momentos inesquecíveis aos proprietários. O Abádio Cabreira era fantástico. Não sabia explicar seus métodos. Mas sabia fazer. E muito bem. Eu costumava dizer que, em outras vidas, provavelmente, ele havia sido um cavalo, tamanha era a sua familiaridade com o animal. Pedro Nickel, outro excelente treinador, ganhou inúmeras corridas para a farda, incluindo a tríplice coroa, com a Emerald Hill. O Selmar Lobo, veja só, foi jóquei do Haras Rosa do Sul. E depois que ele parou de montar, meu pai deu uma cocheira, pequena, para ele, e a partir da li o Lobo revelou-se um estupendo treinador. Na Argentina, cotávamos com o Juan Etchechoury, que dispensa comentários. Já em relação aos jóqueis.... Bolino, L. Cavalheiro, J. Fagundes, Barroso, Quintana, Duarte e Cunha. Jóqueis muito bons. Dentre os veterinários, o Dr. Alceu Athayde, para a parte de treinamento, e o Dr. José Luis Pinto Moreira, em sede de criação e seleção, foram os dois que estiveram, durante a maior parte do tempo, colaborando para o Haras Rosa do Sul. E para os Stud Mapa e Stud Marimat, contamos com o trabalho dos treinadores Acedenir Gulart, Eduardo Garcia e Vitorio Fornasaro, e dos veterinários Christian Schlegel e Mauricio Magone.
ABCPCC: O GP Brasil vencido por Big Lark, em 1980, é lembrado até hoje como um dos páreos mais polêmicos do turfe brasileiro. Qual a sua versão dos fatos e lembranças dessa prova?
Foi algo bem polêmico, até porque havia uma grande rivalidade àquela época, entre paulistas e cariocas. Principalmente entre Rosa do Sul e São José & Expedictus. E acho um pouco complicado comentar qualquer coisa a respeito desse páreo, porque estava vinculado ao Big Lark e, naturalmente, minha opinião seria tida como suspeita... Mas o que aconteceu, basicamente, foi o seguinte: meu pai deu o Big Lark de presente para a minha mãe, Carmen. Por isso corria em nome da minha mãe, com uma farda parecida, porém distinta, da do Haras Rosa do Sul. Já o Dark Brown pertencia ao Haras Rosa do Sul. O Big Lark foi terceiro no GP Brasil aos 4 e aos 5 anos e naquele ano de 1980, já aos 6 anos, ele venceu de ponta a ponta. A ideia era que ele fizesse corrida para o Dark Brown, que vinha de derrotar o Big Lark no GP São Paulo. Mas ele acabou “se fazendo” na ponta e ganhou. Algo muito comum, no turfe, aliás. Quando há um faixa de qualidade, há essa possibilidade. Na reta, atropelaram Dark Brown e Baronius. O Baronius, que reputo como um grande cavalo, foi montado pelo Gabriel Meneses, que pediu sino. Houve algum entreveiro entre os jóqueis. A distância entre os animais, no disco, foi pequena, mas o páreo foi confirmado porque Big Lark e Dark Brown corriam sob números e fardas diferentes. E depois do páreo ocorreu algo bastante inusitado, que eu nunca tinha visto acontecer. Mesmo depois de confirmado, o resultado do páreo foi anulado, no domingo à noite. A comissão de corridas decidiu que iria se reunir na segunda-feira, à tarde, para dar seu veredito final. Os comissários, então, solicitaram a certidão de casamento dos meus pais, para verificar o regime de bens. Como eles eram casados, em regime de separação total de bens, não houve brecha para se alegar que o Big Lark também pertenceria, a grosso modo, ao meu pai. Então, finalmente, na segunda-feira, a vitória do Big Lark foi oficializada. Mas enfim, isso é assunto, até hoje, para os turfistas mais antigos. Cada um tem a sua opinião.
ABCPCC: Quando você, Beto, começou a "viver" o turfe? Como era sua frequência nos haras e nas cocheiras?
Eu acredito que a partir dos 5 anos de idade, quando passei a acompanhar meu pai no Jockey Club de São Paulo. Na época ele não era sócio, então assistia às corridas do estacionamento, com seu binóculo. A partir dali, comecei a frequentar as dependências do clube na maior parte do tempo. Fosse nas cocheiras, na sauna ou jogando futebol. Todas às terças-feiras meu pai fazia um churrasco na cocheira, algo que também pontuava muito minha rotina dentro do clube. Agora, um fato marcante, mesmo, foi quando ganhei, dele, meu primeiro animal, aos 12 anos de idade. E a história chega a ser pouco engraçada. Ele estava atrás, obviamente, de um animal útil para me presentear. Mas não o melhor dos seus cavalos, muito menos o pior. Então o nosso treinador em Curitiba, Alfredo Rivera, sugeriu uma égua, que a princípio se encaixava nesse padrão de bicho mediano. O nome? The Garland. Ou seja, uma égua que viria a ser ganhadora do GP OSAF, no Rio de Janeiro. Foi ela a primeira defensora do Stud Emerald Hill, que por sua vez foi a primeira farda de minha propriedade. A partir dali, creio que meu envolvimento com a atividade cresceu exponencialmente.
ABCPCC: Se você precisasse destacar as principais virtudes de seu pai, enquanto homem, cidadão e do cavalo, quais seriam?
Arrojo, ousadia e bondade.
ABCPCC: Assim como na vitória do Meu Gaúcho, no Derby Carioca, certamente você vivenciou outras várias históricas incríveis nos bastidores de um páreo, ou de um cavalo. Há alguma outra, em especial, que você poderia compartilhar?
Certa vez o Jato D’Água foi correr um stakes, em Miami, na condição de maior azar do páreo. Na época eu morava em Nova York e meu pai me telefonou dizendo que o Nelson Pereira (colunista de turfe internacional no jornal O Estado de São Paulo e que à época trabalhava na embaixada brasileira em Nova York) iria passar me pegar para irmos assistir ao páreo. E disse também que eu deveria pegar um dinheiro que ele, meu pai, pediria ao gerente do banco que me entregasse, para eu apostar no Jato D’Água. Eu logicamente disse que não, que seria uma loucura jogar no cavalo. Por sorte eu obedeci, porque, no final das contas, o cavalo acabou ganhando. Depois do páreo, um norte-americano quis comprar o Jato D’Água. Ofereceu US$ 250 mil. Uma grande oferta, principalmente àquela época. Meu pai, pelo telefone, me disse assim: “Beto, faz o seguinte: se ele quiser, eu vendo a metade por US$ 500 mil” (risos).
Outra recordação do tipo vem de uma corrida da Jabalina Brown, noutro stakes, em San Francisco. Quem lhe montou – talvez na única vez que tenha montado para o Rosa do Sul – foi o “Goncinha” Feijó Almeida. Na hora de dar a ordem para o jóquei, eu arrisquei de dizer “Goncinha, vamos tentar algo diferente hoje. Largue e pare ela. Vamos corrê-la de trás”, sendo que a Jabalina Brown, normalmente, corria próxima das ponteiras. E acabou dando certo. Ela venceu numa bonita atropelada.
Por fim me vem à cabeça a vitória do Fast King, na Copa ANPC Velocidade de Potros. Ele era de criação do Haras Lorolú. Treinado pelo Selmar Lobo e conduzido pelo Luiz Duarte. Na seletiva, ele, mesmo estreando, ficou a três décimos do recorde dos 1.000 metros, na grama, em Cidade Jardim. Ou seja, criamos uma expectativa enorme para a final. Acontece que na semana véspera da final, ele pisou numa pedra. Foi uma tensão muito grande, porque ele ficou bastante próximo de fazer forfait. Para deixar a situação ainda mais complicada, choveu muito. A prova seria disputada numa raia extremamente pesada. E no final das contas, mesmo com todas as adversidades, ele acabou ganhando. No páreo havia animais muito bons, de grandes coudelarias do turfe nacional. Houve um enorme volume de apostas. Coisas que tornaram aquele êxito ainda mais marcante.
ABCPCC: Há planos para o retorno da sua farda às pistas?
Planos sempre existem. Sempre. Não morrerei antes de voltar a reativar a farda. Há alguns anos, ensaiei esse retorno. A ideia era adquirir uns 5, 6 animais. Acabei comprando 30. Entre eles estavam alguns de muito boa qualidade, como o Nitro, a Newport Beach e o El Caudilho. De todo modo, certamente o stud retornará. Stud este que começou se chamando Mapa, porque, à época, somente a minha filha Maria Paula havia nascido. Depois vieram a Maria e o Matias, e o stud virou Stud Marimat.