Conferência da ITBF reúne autoridades hípicas de todo o mundo na África do Sul
No último mês de janeiro, criadores e representantes de autoridades hípicas de todo o mundo estiveram reunidos na Cidade do Cabo, na África do Sul, por ocasião da 22ª Conferência da Federação Internacional de Criadores de Cavalos de Corrida (ITBF). O Brasil esteve representado, no ato, por Sérgio Luis Coutinho Nogueira e Arthur Mendes Teixeira, respectivamente presidente e tesoureiro da Associação Brasileira dos Criadores e Proprietários do Cavalo de Corrida.
Evento que havia sido realizado pela última vez em setembro de 2014, em Kildare, na Irlanda, a Conferência voltou a apresentar pautas bastante atuais, e abrangentes, que por consequência dizem respeito à indústria do cavalo de corrida como um todo. Não por menos, 14 dos 19 países membros da ITBF enviaram à entidade - a despeito do que se sugeriu na última conferência - memorandos com informações das técnicas e estruturas de controle utilizados, por cada país, para o controle e erradicação de doenças relacionadas à criação equina. Veiculadas e compartilhadas com os demais países por meio do International Collating Centre (estrutura da ITFB designada, justamente, para o intercâmbio de técnicas e sugestões para o enfrentamento de epidemias e doenças equinas), tais informações, aliás, já se mostram de grande utilidade para o enfrentamento de surtos de garrotilho e herpes equina em diferentes países.
Na sessão veterinária, o primeiro tópico mais alarmante fora o aumento no número de testes positivo equivocados em exames que podem impactar a indústria turfística (foram tomados como exemplo exames de mormo, nos Estados Unidos nos quais se verificou equívoco no diagnóstico). A pauta, suscitada pelo diretor do setor veterinário da ITBF (e consultor veterinário do Irish Equine Centre), Dr. Des Leadon, coloca em xeque, por exemplo, a realização de eventos como a Breeders' Cup, que envolvem a participação de animais procedentes de diferentes países - e que, em razão de um falso diagnóstico, podem ser tanto retirados do respectivo páreo, quanto compelidos a retornar seus países de origem em prazos muito pequenos, dadas as políticas sanitárias de cada país. De encontro ao problema, se concluiu pela necessidade da revisão de protocolos sanitários junto às mais diversas entidades competentes bem como pelo desenvolvimento de vacinas capazes de neutralizar tais doenças. Ainda sobre as vacinas, os resultados e dados apresentados pela empresa farmacêutica selecionada pela ITBF, Zoetis, foram severamente criticados ao longo da conferência,uma vez que inconclusivos e sem grandes novidades, frustrando as expectativas de grande parte do corpo veterinário presente ao evento.
Em tema tangente à questão veterinária, se passou à discussão da indústria geneticista. Ainda que diante da existência de empresas que já realizam estudos e testes baseados genomas e que seriam capazes de prever, de antemão doenças e predileções técnicas dos animais, o Prof. Max Rothschild, da Iowa State University, opinou no sentido de serem muito escassos os dados e resultados obtidos até aqui para que fosse possível garantir credibilidade plena a trabalhos do tipo. Do mesmo modo, a discussão sobre as noções de propriedade do DNA dos animais continua a ser um entrave para a expansão da área. Não obstante, em razão do impacto que a homologação dos dados e estudos já existentes pela ITBF poderia causar tanto no mercado de criação PSI (a Federação Européia de Criadores de Cavalo de Corrida, por exemplo, já se posicionou contrária à inclusão de indicativos de velocidade relacionados a genes em catálogos de leilões realizados nos seus países membros) quanto na própria qualificação das corridas ao redor do mundo, a entidade, por deliberação de seus países membros, decidiu não corroborar, ou compactuar, com qualquer dado e/ou conclusão científica tomada a partir das pesquisas realizadas até aqui - sem deixar de garantir, entretanto, total liberdade ao desenvolvimento de novos estudos pela indústria privada, bem como incentiva-la à consecução de pesquisas na área.
Também versando sobre a pauta científica/tecnológica, a Sociedade do Cavalo de Corrida Canadense apresentou, por meio de Adrienne Herron, os resultados de um projeto de pesquisa de 3 anos sobre a chipagem de cavalos de corrida. Os principais pontos foram: o aspecto legislativo canadense, que não possui previsão legal para rastreamento, ou chipagem de animais; o local de inserção do chipe, na nuca dos animais, não se mostra o mais adequado à medida que se verificou o deslocamento do chip em alguns casos, bem como a infecção da região em razão da chipagem; animais de temperamento mais arredio, ou mais nervosos, apresentaram complicações no processo de escaneamento; e o local mais adequado para inserção dos chips seria na fossa incisiva da maxila, e não na nuca do animal, reduzindo assim as possibilidades de deslocamento e infecção pela instalação do chip. Diante dos resultados do projeto, a Horse Racing Alberta implementará um programa de chipagem e identificação (com certificado de nascimento e passaporte) dos PSI canadenses. Os chips também serão capazes de armazenar o retrospecto do animal, angariado a cada corrida.
No tocante à própria estrutura da ITBF, que funcionava, até então, mediante a participação individual de seus países membros, restou deliberado para que a entidade passe a contar, também, com representantes regionais em seus assentos. Assim foram instituídos representantes de 5 blocos distintos, que passarão a compor o conselho executivo da entidade: Europa, Ásia (que abarca, para fins de organização, África do Sul e Austrália), América do Norte e América do Sul e Estados Unidos. Perante a ITBF, a América do Sul será representada por Pedro Hurtado, presidente da Associação Chilena de Criadores de Cavalo de Corrida.
Ainda que de maneira breve, a matéria de graduação dos páreos ao redor do mundo também foi objeto de discussão. Muito embora reconhecendo a incompetência da ITBF para analisar as políticas e/ou sistemas de análise e graduação das corridas, a entidade manifestou-se no sentido de incentivar que as comissões de handicappers e instituições coordenadoras (vide OSAF e IFHA) deem manutenção a seus trabalhos, a fim de se obter a tão almejada padronização técnica internacional no nível das corridas de black type.
Outro ponto abordado foram medidas que vêm sendo adotadas por entidades de criadores de determinados países, para o fomento da atividade, sendo que algumas ideias e projetos chamam bastante atenção. Na Inglaterra, por exemplo, houve a inclusão nas chamadas de páreos de 2 e 3 anos de corridas reservadas a filhos de reprodutores que em campanha venceram acima dos 2.000 metros. A iniciativa se deve à seguida desvalorização dos animais de fundo, de sobremaneira em leilões, em face dos cada vez mais populares, e valorizados, PSI de pedigrees voltados para a velocidade. De igual modo, um programa de corridas exclusivo para fêmeas - a fim de incentivar que mais pessoas comprem potrancas nos leilões, e também para diminuir a disparidade de preços entre machos e fêmeas nas licitações -, o Fillies & Mares Race Programme foi instituído em 2016 pela British Horseracing Authority.
Já a TOBA (Thoroughbred Owners and Breeders Association), numa exposição bastante interessante em seu painel, abordou o aumento da competitividade no mercado de garanhões no Kentucky, nos últimos anos. Na última década, o número de reprodutores alojados nos haras do Kentucky diminuiu em 50%, o que provocou, por outro lado, o aumento na média de coberturas realizadas no estado em cada temporada de monta. Nessa mesma linha, alguns criadores reduziram o número de coberturas de seus reprodutores, o que também colaborou para o aumento do preço médio dos serviços dos animais locais - além de ter combatido a "inflação" de alguns garanhões, que em razão de ter muitos filhos à venda nos leilões, acabavam - pai e filho - desvalorizados. De outro lado, como consequências negativas, há o decréscimo no preço médio dos leilões de potros, e também o aumento na procura por garanhões não testados, ou comprovados, o que poderá no decorrer dos anos acarretar numa disparidade muito grande entre os produtos oferecidos nas vendas. Por fim, se concluiu que os criadores "de hobby", ou seja, que não profissionalizaram suas estruturas, perderam espaço em definitivo.
Em ascenção gritante no cenário internacional, a criação australiana pautou, naturalmente, o painel da Thoroughbred Breeders' Australia. Boa parte da apresentação destinou-se ao processo de centralização das normas e administração do turfe no país, vez que num primeiro momento havia distintas entidades respondendo pela criação australiana, ao passo que a partir de 2015, com a fusão entre a Racing Information Services Australia e a Australian Racing Board (que deu origem à Racing Australia) houve a concentração dos atos normativos de criação numa só entidade - o que potencializou o poder normativo frente à criação local. Entretanto, o processo de constituição da Racing Australia não contou com a devida participação de pessoas ligadas à atividade na elaboração de suas regras (até porque são normas d'uma entidade privada, sem lastro governamental), que em muitos casos sequer observavam a capacidade e a estrutura disponível aos próprios criadores australianos, para a sua aplicação. A fim de aparar tais arestas, a Thoroughbred Breeders' Australia interveio junto à Racing Australia, conseguindo a ponderação da entidade para com alguns casos, e em outros concretizando anseios da criação local. Dentre algumas das principais regras instituídas no final do ano passado, após o referido trabalho de aproximação da Thoroughbred Breeders' Australia estão: criadores e proprietários de potros no manejo destes não mais estão obrigados à totalidade das normas da Racing Australia, mas tão somente àquelas que dizem respeito ao bem-estar animal; a inspeção de animais quanto à utilização de esteróides anabolizantes passou a ser de competência exclusiva dos comissários da Racing Australia; agentes e managers de criação passaram a ter o direito de prestar informações em nome de criadores; e se instituiu o Australian Racing & Breeding Committee, que se reúne 4 vezes por ano para discutir qualquer alteração na normatização da criação australiana.
A próxima Conferência da ITBF será sediada nos Estados Unidos. A expectativa é de que o evento aconteça ao final de outubro de 2018, no Kentucky, em meio aos leilões de Keeneland, Fasig-Tipton e também às festividades da Breeders' Cup, que será realizada, no ano que vem, em Churchill Downs.